sexta-feira, 4 de março de 2016


   QUANDO O CORAÇÃO CHOROU


Copyright © 2013, Maria do Carmo de S. Baptista
Direitos Reservados. Proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização expressa do autor .
Dados Catalográficos
Baptista, Maria C. S.
Quando o coração chorou / Maria do Carmo de S. Baptista - São Paulo: Plêiade, 2013. 115 p.
ISBN: 978-85-7651-232-5
1.Literatura brasileira  1.Título
CDU 869.0(81)
Bibliotecária responsável: Elenice Yamaguishi Madeira – CRB 8/5033
Editora Plêiade
Rua Apacê, 45 - Jabaquara - CEP: 04347-110 - São Paulo/SP info@editorapleiade.com.br - www.editorapleiade.com.br
Fones: (11) 2579-9863 – 2579-9865 – 5011-9869 Impresso no Brasil
Quando o coração chorou
Maria do Carmo de S. Baptista
2013 São Paulo


Apresentação

Quando escrevi o livro O COMEÇO DO FIM, que é uma história real, não tinha a intenção de escrever nenhum outro livro.
Mas, pouco a pouco, essa história foi surgindo em minha mente e, assim, resolvi escrevê-la e publicá-la.
Uma história de paixão, amor, traição e perdão.
Uma ficção, com a qual você vai se identificar e se emocionar com a história.
Todos os personagens dessa história são fictícios.
Qualquer semelhança será uma mera coincidência.


Dedicatória

                            Dedico, a todos aqueles que, humildes, sabem pedir perdão e assumir seus erros.Uma dedicação toda especial a todos que possuem o dom sublime de perdoar, pois perdoar não é só falar “perdôo”, mas, sim, deixar seu coração livre e aberto para amar de verdade a quem nos fere de algum modo.
Muitas vezes o coração Chora...
Chora por mágoas.
Chora por dor.
Mais de todos os Choros.
O melhor Choro é Chorar por AMOR.
                                                                                                           

                                             QUANDO O CORAÇÃO CHOROU


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      Quando o sol já se escondia no horizonte, a brisa do anoitecer pairava sobre as árvores balançando as folhas. O canto dos pássaros dava lugar ao silêncio da noite. Na varanda de sua casa, Eloísa, pensativa, olhava o pôr do sol, que se transformava em um crepúsculo no meio da serra. De longe ela avistava a cena, que parecia um quadro pintado em aquarela.
      Santa Rosa uma cidadezinha muito pequena onde as casas eram afastadas uma das outras.
Entre as vizinhas, Izabel era a mais amiga. Mãe de quatro filhos, muito comunicativa, pronta a ajudar sempre que os vizinhos precisassem. Era respeitada e querida por todos.
      Eloísa, menina simples e humilde. Meiga, cheia de vida e sonhos. Seus olhos, negros e bastante expressivos. Seus cabelos longos e escuros. Pele branca e rosada. Olhar firme e bondoso. Lábios carnudos e um sorriso largo, formando-se, assim, duas covinhas em sua face toda vez que sorria.
     Eloísa, a filha mais velha de dona Esmeralda, uma senhora adorável mãe de três filhas.
Eloísa, com treze anos; Caroline (Carol), onze; e Beatriz (Bia), nove anos.
   Dona Esmeralda, senhora viúva. Seu esposo, Sr. Ar-lindo, havia falecido em um acidente de trânsito ao qual ela sobreviveu, mas havia adquirido uma deficiência que a


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tornou dependente de uma cadeira de rodas.
Mesmo com as dificuldades, dona Esmeralda sempre era muito cuidadosa com as filhas.
As três estudavam e não faltavam às aulas por motivo algum.
Eloísa estudava de manhã e à tarde cuidava da casa, ajudando a mãe, que com sua deficiência muitas coisas tinha dificuldade de fazer.
      Quando Eloísa fez dez anos, seu pai havia lhe comprado uma caixinha de música, presente que ela guardava com muito carinho e cuidado. Toda noite, antes de dormir, dava corda em sua caixinha e ficava ouvindo o som daquela linda melodia.
Após recordar os dias ao lado de seu pai, que era muito atencioso e carinhoso com todas, Eloísa preparava sua cama para dormir.
Seu sono era sempre povoado de maravilhosos sonhos. Quando amanhecia sempre os contava para sua mãe.
Dona Esmeralda ficava encantada com os sonhos de Eloísa. Às vezes até chegava a duvidar e se perguntava se os sonhos da filha não eram fantasias de sua imaginação.
Entre tantos sonhos, certa noite Eloísa acordou assustada e, sentando-se em sua cama, gritou:
‒ Mãe! Mãe! Acorda, quero contar o que eu estava sonhando.
Dona Esmeralda, meio adormecida ainda, respira fundo e pensa por alguns instantes: “Lá vem Eloísa com mais uma de suas imaginações!”
Mas para Eloísa tudo parecia real.
E, sentada em sua cama enquanto sua mãe despertava, Eloísa fala:


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        – Desculpe-me, eu não queria interromper seu sono, mas tenho que contar logo o meu sonho.
Seu sorriso era alegre e seu olhar expressivo. Combinava com aquele rosto bonito e delicado. Por conta disso, não demonstrava em nada as dificuldades pelas quais passava.
          Após a morte de seu pai, as coisas se tornaram muito difíceis para elas. Mesmo com a pouca idade, ciente disso, Eloísa era sempre atenta a cuidar da mãe e das irmãs.
          A cada amanhecer, mais um dia de alegria. Tristeza não fazia parte da sua vida, mas, entre tantos sonhos, o daquela noite a deixara muito pensativa.
         Dona Esmeralda ouve a filha atentamente.
Eloísa contava o sonho que tivera, olhando fixamente nos olhos da mãe.
Em seu sonho, ela pegava sua caixinha e saia pelas ruas dando corda para que não parasse de tocar. Ao ouvirem aquela música, todos paravam para conversar com ela, e logo iam querendo saber algo sobre sua vida.
Em seu sonho ela ganhava alguns trocados. Com isso, logo ficava com as mãos cheias de dinheiro, segurando sua caixinha com todo cuidado.
Quando acordou estava gritando, pois em seu sonho sua caixinha havia caído e quebrado.
Não, não poderia deixar isso acontecer.
Seu pai lhe dera esse presente com tanto carinho, que Eloísa havia lhe prometido guardá-lo para sempre.
Por um instante se calou e, abaixando o olhar, fitando o vazio, as lembranças de quando seu pai ainda era vivo invadiram seu pensamento.
Lembrava-se do cuidado e do carinho que ele tinha

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com todas. Do amor que existia entre todos naquela casa.
     Os aniversários eram comemorados com bolos, doces e refrigerantes para as crianças. A vizinhança toda era convidada.
Neste momento, também se lembrou de quando Carol fez cinco anos, dia em que seu pai se vestiu de palhaço e chegou de surpresa pela porta da cozinha.
Ninguém imaginava quem estava por trás daquela máscara colorida. Palhaço, todo cheio de graça, animando a criançada. “Ah! Pai, que saudade! Quanta falta nos faz. Como posso esquecer sua imagem e a bondade de todos os seus gestos”.
Como se lesse todos os pensamentos da filha, Dona Esmeralda resolveu interromper naquele instante.
– Eloísa! Filha, por que você está aí tão pensativa?
Continue a me contar seu sonho.
Com um sorriso nos lábios, Eloísa meio sem jeito inclina a cabeça no ombro da mãe e fala carinhosamente:
– Ah, mãe, estava sonhando acordada, pensando no quanto a amo e quero vê-la sempre bem.
– Estou bem, filha. Pense em estudar e vamos cuidar das pequenas.
– Eu sou muito feliz por ter vocês.
– E saiba que você é minha princesa.
Dona Esmeralda dizia isso acariciando os cabelos de Eloísa. Havia uma grande emoção na voz de dona Esmeralda, que continuava acariciando a filha.
         Uma lágrima rolou no rosto de Eloísa, que disfarçou para que sua mãe não percebesse que ela estava se lembrando do pai. Tinha muitos motivos para lembrar-se dele, e a cada dia a saudade aumentava. Depois de um breve si-lêncio, as lembranças deram lugar ao diálogo entre mãe e

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filha. Naquele dia, mãe e filha ficaram conversando toda manhã sem se preocuparem com os afazeres de casa.
          Logicamente, dona Esmeralda também sentia muita falta de seu marido, que lhe fora roubado abruptamente pela morte naquele terrível acidente.
         Quando já se encontrava sozinha, na sala, enquanto Eloísa ia até a cozinha preparar o almoço, as lembranças voltaram a lhe fazer companhia. Lembrava-se claramente da estrada cheia de curvas, noite nebulosa, quando voltavam de Minas Gerais. Mesmo sendo muito atencioso, eu Arlindo não conseguiu desviar o carro de um caminhão que veio em sua direção. O choque foi muito violento, deixando o carro destruído e a vida dele perdida e ela naquela cadeira de rodas. Ela se lembrava nitidamente do momento no qual o caminhão se chocou, e quando acordou, após dois dias, já estava em um leito de hospital. Depois de despertar, demorou algumas horas para entender o que havia acontecido, e encarando a enfermeira por um longo tempo como se estivesse olhando para alguém que nunca havia visto antes, perguntou:
– E meu marido onde está? Ele está bem?
Seu tom de voz, ainda fraco, fez com que a enfermeira fingisse não entender o que ela estava a perguntar. Com um leve sorriso, a enfermeira falou:
– Dona Esmeralda, está na hora de tomar seu remédio.
Em alguns minutos o médico passaria para a visita. Sabia de certo que não era hora de contar que seu esposo já não fazia mais parte deste mundo.
Não demorou muito e entram para a visita Eloísa e Izabel, sua grande amiga.
A ansiedade de dona Esmeralda em saber como esta-


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va seu esposo continuava e fez a mesma pergunta para a Eloisa:
– Então filha, já viu seu pai? Como ele está?
Izabel, vendo a expressão de Eloísa a olhar para a mãe, interrompe qualquer resposta falando:
– Não se preocupe Esmeralda., seja forte e tente se recuperar.
Ansiosa, Esmeralda sente seu corpo tremer e fala olhando fixamente para Izabel:
– Há alguma coisa que você não queira me falar? Conte-me logo. Onde está meu marido? Ele está bem?
Entre tantas perguntas ao mesmo tempo e com um tom de voz agora muito mais firme e nítido, Izabel entendia o que Esmeralda estava a imaginar. Não dava para esconder mais. A verdade tinha de ser contada. De um jeito ou de outro ela tinha de saber. Resolveu naquele instante concluir. Acariciando os cabelos de Esmeralda, Izabel fala com carinho:
– É muito doloroso, amiga, mas tenho que contar. Combinamos sempre falar a verdade uma para outra, mesmo que esta verdade seja de dor.
Eloísa olhava para Izabel, que tinha o olhar triste e confuso.
Dona Esmeralda, ansiosa, esperava que Izabel continuasse.
– Então! Continue Izabel! Por favor, fale-me logo. O que aconteceu? - esperava ansiosa que Izabel prosseguisse. – Sinto que Arlindo está morto. Estou certa não é?
O que Esmeralda estava imaginando já não era mais possível esconder. A verdade precisava ser contada.
Eloísa mordia os lábios e segurava a mão da mãe en-


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quanto Izabel com muita calma explicava o que havia acontecido.
          Ainda segurando a mão de Eloísa, Dona Esmeralda respirava fundo de modo que elas percebessem que ela havia compreendido tudo.
           Seus lábios ficaram paralisados e suas mãos estavam trêmulas enquanto Eloísa secava suas lágrimas, tentando consolar a mãe.
           Dona Esmeralda, emocionada e procurando ser forte tentava se conformar com o destino.
Tudo tem sua hora. E a hora do seu companheiro havia chegado.
Ou será que cada um faz o seu destino? Quem poderia responder-lhe? Como encontrar essa resposta?
       Mas, entre tantas dúvidas e perguntas sem resposta, ela tinha que ser forte e continuar a vida na companhia de suas filhas. Porém, naquele momento, tudo o que queria era sair daquela cama de hospital e voltar para sua casa. Por outro lado, sabia que ainda tinha que ficar alguns dias ali para se recuperar.
      Os dias se passavam até que o médico veio com o diagnóstico final: ela ficara paraplégica. Tinha que fazer muita fisioterapia para tentar melhorar seu quadro.
Logo que teve alta do hospital, dona Esmeralda sabia que dependeria de uma cadeira de rodas para se locomover.
     Depois de um longo tempo pensando em tudo que lhe acontecera, Dona Esmeralda volta à realidade com a presença de Bia que entra na sala tagarelando. Olhando para a filha, percebia que mesmo na sua fragilidade naquela cadeira de rodas precisava mostrar-se forte. Não podia desanimar diante das dificuldades. Tristeza não fazia parte

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do seu dia a dia. E ainda tinha uma grande esperança de um dia sair daquela cadeira de rodas. Com muita fisioterapia iria conseguir. Dr. Simão, seu médico já havia confirmado isso.
Eloísa também não tinha tristeza apesar das dificuldades. Aos domingos levantava cedinho, vestia a melhor roupa que tinha e, na companhia da mãe e das irmãs, iam à igreja assistir à missa.
Em suas orações sempre se lembravam de seu Arlindo.
          A vida tem horas difíceis para se viver, mas nem tudo é da forma que queremos ou planejamos. Assim, temos que continuar tentando resolver os problemas da melhor maneira possível. Era assim que dona Esmeralda vivia e ensinava as filhas.
– A vida é tão bela que não se pode perder nem um minuto reclamando e se lamentando. Lamentos não resolvem problemas. A cada dia temos que fazer com que a vida fique mais bela ainda. - dizia ela sorrindo para as filhas, dessa forma tentando aliviar as dores.
Mesmo com o coração banido de saudades, vivia como que mergulhada numa felicidade eterna.
      Certo dia, Eloísa, lembrando-se do sonho que tivera, levou sua caixinha até a igreja. Após a missa, sentou-se no banco da praça e deixou que a música tocasse.
Como se ela estivesse sonhando, num passe de mágica, em sua volta muitas pessoas ficaram a ouvir aquela música como se fosse a mais bela melodia.
Sem se dar conta da quantidade de pessoas a sua volta, Eloísa falava com orgulho:
– Essa caixinha foi presente do meu pai.
E repetia isso por várias vezes.


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       Seu semblante meigo, sereno e muito descontraído, agradava a todos.
Essa ideia de sentar-se no banco da praça com a caixinha de música depois da missa se tornou um hábito. Todos os domingos, muitos se juntavam em volta a Eloísa, só para ouvir o som daquela linda melodia.
Dona Esmeralda já estava ficando preocupada com todas aquelas pessoas ao lado da filha. Nunca imaginou que uma simples caixinha de música fizesse tanta gente ficar encantada e até sentir emoções diferentes. O que dizia aquela música era impressionante. Não existia explicação. E, pensando em seu marido naquele momento, se perguntava: “Arlindo o que você pensaria se estivesse aqui?” Ao mesmo tempo, lembrava-se dos sonhos que Eloísa lhe contava.
        Na manhã daquele domingo a temperatura caiu tanto a ponto de ficar muito frio.
        De repente se formava uma grande tempestade. O vento sacudia as árvores da praça. Logo todos foram se proteger na igreja. Não havia tempo suficiente para chegarem em casa e ficaram na igreja até a tempestade passar. Logo que a tempestade passou, Eloísa sentou-se na calçada da pequena igreja, pensando no pai. Era impossível que ele estivesse morto. Sempre fora um homem vibrante, cheio de vida e responsabilidade.
Desde criancinha, Eloísa sempre via o pai bem humorado e brincalhão. Naquele momento, deixava suas lembranças se afastarem sentindo um leve toque em seu ombro.
Todos já haviam se retirado da igreja e se juntaram na praça. Já haviam combinado de fazer uma surpresa para

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         Eloísa, afinal de contas ela estava fazendo quinze anos.
Eloisa sabia que era amada por todos, mas não imaginava tamanha surpresa.
Prepararam tudo sem que Eloísa percebesse.

                                                                               
                                                                                    ***

          Na pracinha havia um pequeno coreto.
          Naquele dia, ao invés da caixinha havia uma banda tocando a mesma música.
Quando Eloísa saiu da igreja, ficou muito emocionada e maravilhada com o que estava a ouvir e muito surpresa com o que via e ouvia. A mesma música da caixinha sendo tocada por violino e piano no coreto da praça.
Seus olhos expressivos encheram-se de lágrimas e, segurando a mão da mãe, ergueu a cabeça ao céu e agradeceu por aquele momento. Seu coração estava cheio de emoção e gratidão. Não conseguia conter as lágrimas que insistiam em banhar seu lindo rosto.
          Eloísa era linda e sempre bem arrumada. Seu cabelo entrelaçado com alguns grampos coloridos, o que lhe dava um ar de infantilidade. Gostava muito do jeito que sua mãe arrumava seu cabelo. O amor que sentia por ela fazia pensar que jamais faria algo que a magoasse e a deixasse ficar triste.
Depois de tanta emoção, só tinha a agradecer a todos que lhe proporcionaram aqueles momentos de felicidade e alegria.
        No dia seguinte, ainda cedinho, da janela do seu quarto, Eloísa observava o nascer do sol a pensar: “Tomara que não chova hoje. Choveu quase todos os dias dessa semana”
.

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        Logo mais teria que levar sua mãe ao médico.
        Porém, olhando o nascente, o sol já estava a brilhar. O céu estava límpido. Nenhuma nuvem projetando um pouco de sombra que encobrisse o brilho do sol que iluminava o amanhecer.
Com toda certeza percebia que até levar sua mãe ao médico e voltar não choveria.
     Saiu às pressas e levou as irmãs à escola e, quando voltou, o carro que todos os meses as   transportava até Serrana já estava na porta de sua casa a esperar.
    Por um instante, um sentimento de medo e de preocupação invadia seu coração e, em uma almofadinha no banco do carro, com todo carinho, acomodou sua mãe que há alguns dias reclamava de muitas dores nas costas, a ponto de não achar uma posição para sentar-se. Naquele instante se ajeitou tão bem que sentiu-se muito satisfeita.
     Habitualmente, Eloísa tinha sempre tempo de sobra para conversar com a mãe e cuidar bem dela.
Por um momento, dona Esmeralda olhava para a filha tão jovem e sentia-se culpada por vê-la com tanta responsabilidade. Ao mesmo tempo sentia-se feliz por ter filhas maravilhosas.
      Bia, a mais nova, era diferente de Eloísa e Carol. Agitada e muito falante. Talvez fosse pela pouca idade.
Às vezes tinha que lhe chamar atenção por sua rebeldia.
     Santa Rosa, cidade pequena e muito tranqüila. Dificilmente se ouvia notícias de violência.
Crianças brincavam de bola nas ruas sem se preocuparem com os poucos carros que por ali passavam.
Da varanda de sua casa, dona Esmeralda sempre fica-


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va atenta a olhar as meninas brincarem de roda.
Vez em quando Carol vinha e a beijava.
Bia, sempre distante, não era nada carinhosa.
     Alguns anos se passaram após a morte de seu Arlindo. As filhas já estavam mocinhas. Dona Esmeralda sabia que precisava conversar muito mais com Bia, pois apesar de tantos conselhos ela poderia dar muito trabalho. Sua rebeldia lhe assustava. Essa diferença de humor era notável.
      Por várias vezes, Eloísa, agora já com seus dezoito anos, tentava corrigir a irmã. Mais Bia não aceitava. Tudo tinha de ser do seu jeito. Bia, menina muito bonita, pele morena, olhos com grandes cílios, cabelos cacheados e longos. Seu corpo bem desenvolvido aparentava ter mais idade.
Às vezes saía sem avisar e ia à casa das amigas. Dali saiam para os riachos para tomar banho de cachoeira. Tudo que dona Esmeralda não gostava, pois mesmo sendo um lugar tranqüilo existia sempre o perigo.
Estando lá muitas vezes, esquecia-se de voltar para casa até Eloísa ir atrás e trazê-la mesmo à contra vontade de Bia.
Carol, menina franzina, cabelo curtinho. Sempre calma e muito carinhosa, atenciosa e obediente. Por todas essas qualidades muitas vezes arriscava-se a perguntar.
- Mãe! Por que Bia é tão diferente assim?
As respostas de Dona Esmeralda eram sempre vagas.
Deixando lugar para outras perguntas.
     Igual a toda jovem, Eloísa e as irmãs tinham suas amigas que vez em quando freqüentavam suas casas.
Cléo, amiga de Eloísa, moça de vinte anos, bonita e de cabelos longos com algumas mechas loiras, sempre estava


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na casa de Eloisa. Muitas vezes saíam para passearem.
Cléo namorava Jonas. Um rapaz que conhecera em Serrana em uma festa de rodeio.
Jonas, rapaz de porte forte, moreno muito falante, educado e atraente.
Cléo e Jonas já namoravam há alguns meses, mas era a primeira vez que ele estivera em Santa Rosa. Gostou tanto que todo final de semana estava lá.
Às tardes de sábado, juntavam-se para passearem na cidadezinha. Sentavam-se nos bancos da praça e ali passavam horas conversando.
Eloísa, por ser amiga de Cléo, sempre estava com eles e vez em quando percebia que Jonas a olhava.
Sempre desviava o olhar quando o flagrava olhando para ela. Isso ia deixando Eloísa encabulada e já não queria ir à pracinha quando Jonas e Cléo a convidavam.
Pouco a pouco começara a dar desculpas para não ir.
Todo final de semana Jonas estava na cidade. Mas sempre que via Eloísa, fazia tudo para que seus olhos encontrassem os dela.
Eloísa sentia-se desconcertada com os olhares de Jonas.
Já não dava mais para disfarçar seu nervosismo quando ele aproximava-se dela.
Não queria jamais perder a amizade de Cléo. Mas, que culpa ela tinha? Não dava motivos para que isso aconteces-se. Não entendia por que razão Jonas a olhava daquele jeito. Seu olhar era tão penetrante que por várias vezes fitava o vazio para não olhar em sua direção.
Bia, muito esperta e falante, certo dia percebeu Jonas olhando fixo e demoradamente para Eloísa.


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         Não resistindo a sua curiosidade falou em um tom de voz estridente.
– Oi Jonas, acorda rapaz! Você nem pisca olhando para Eloísa! O que você está vendo nela?
Jonas finge não escutar e vira-se para Cléo, que estava distraída a ler um livro encostada a uma almofada num canto do sofá.
Eloísa, meio sem jeito, sai da varanda e vai até a cozinha preparar um café.
Cléo continuava com Jonas e dona Esmeralda na varanda, enquanto Eloísa estava na cozinha preparando o café.
      Já escurecia e Jonas tinha de voltar para Serrana. Despede-se de todos mas, ao se despedir de Eloísa, seu olhar insistente vai ao encontro do dela deixando-a sem jeito por mais uma vez. Encabulada, Eloísa sai da varanda e não volta até que Jonas saísse dali.
Cléo já havia decidido sair de Santa Rosa e ir para o Rio de Janeiro, onde iria arrumar um emprego e continuar seus estudos, afinal, já havia terminado o ensino médio e era hora de pensar em fazer uma faculdade. Lá já moravam seus tios e primos que iriam ajudá-la.
Por sua vez, vendo que seu namoro com Jonas não ia muito bem, resolveu desistir antes de sua viagem.
      Eloísa sentiu um abalo em seu coração quando soube do rompimento do namoro. Naquela noite não conseguia dormir. Estava sentindo-se muito angustiada, pensando nos olhares de Jonas. Eloísa sabia que ela não tinha culpa do namoro deles ter chegado ao fim, mas por que estava nessa ansiedade? Virando-se na cama de um lado para o outro, contava os minutos para ver o dia amanhecer.


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      Como se soubessem de sua angustia, os passarinhos começaram a cantar na árvore ao lado de sua casa trazendo para ela a certeza de que o dia estava amanhecendo.
Logo, abriu a janela do seu quarto e a luz que vinha da claridade do sol refletia em seus olhos ainda cansados por uma noite de insônia.
Tudo estava muito estranho dentro dela, sensações diferentes que ela não entendia e nunca havia sentido.
Foi até a cama da mãe, beijou-lhe o rosto e foi tomar um banho quente para relaxar seu corpo embaixo do chuveiro.

                                                                                  ***

        Por alguns meses Eloísa não via Jonas. Não havia mais motivos para ele ir até Santa rosa.
        Em suas lembranças, os olhares dele estavam sempre presentes, mas tudo era ilusão. Tinha que tirar Jonas de seu pensamento. Seria muita pretensão sua imaginar tal coisa. “Mas por que ele me olhava tanto?“ De um modo tão penetrante que lhe fazia tremer. Eram pensamentos que lhe faziam tirar o sossego.
E, voltando acalmar seu espírito ao tentar tirar Jonas do pensamento, sabia de certo que nunca mais sentiria aquele olhar ardente outra vez.
        Nos meses que se seguiam, Eloísa já estava tentando esquecer os olhares de Jonas.
Nessas idas de dona Esmeralda ao médico, Eloísa a acompanhava todos os meses.
Há alguns anos levava sua mãe ao mesmo consultório do Dr. Simão, médico muito conhecido e bem sucedido em Serrana. Tinha um único filho de vinte e cinco anos que fazia faculdade de medicina. Estudava medicina, pois queria seguir a mesma profissão do pai.
Eloísa, desde que começou a levar sua mãe ao médico, nunca havia visto o filho do Dr. Simão.
Naquele dia, sentada na sala de espera, de repente a porta do consultório se abre e, numa surpresa inesperada, Jonas surge em sua frente.
Eloísa sentiu um calafrio quando seus olhos se encontraram aos dele. Não sabia o que falar, nem para onde olhar.
Jonas se aproxima e segura sua mão que estava gelada feito um picolé. E, muito rápido,  entra na sala do Dr.Simão.
Dona Esmeralda, também admirada, imaginava. “Seria Jonas o filho do Dr. Simão? Por que nunca havia falado que seu pai é médico?”
Imediatamente Jonas sai da sala, dá um beijo no rosto de Eloísa, despede-se de dona Esmeralda e vai embora.
As duas ficam uma olhando para a outra sem entender nada. “Será que ele veio passar em consulta? Ou será que ele é o filho do Dr. Simão?” Muitas perguntas invadiam a mente das duas.
Curiosa por saber se Jonas era filho do Dr. Simão, a primeira coisa que Dona Esmeraldaa fez quando entrou na sala para consulta foi perguntar. Como já tinha certa intimidade com o médico, não se intimidou:
− Dr. Simão! Desculpe minha curiosidade!
− Quem é esse rapaz que esteve aqui agora a pouco?
Com um sorriso nos lábios e muito simpático, Dr. Simão responde:


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      − Este rapaz é Jonas, meu filho. Sempre falei dele para a senhora, mas nunca o apresentei. Não faltará oportunidade para vocês o conhecerem.
− Ora! Dr. Simão! Já nos conhecemos. Jonas já esteve por várias vezes em minha casa, quando namorava Cléo.
Dona Esmeralda fala com muita convicção.
Dr. Simão, meio sem jeito, responde:
− É ele namorava aquela moça, mas sempre esteve com outra em seu pensamento. Fala sempre que é apaixonado por uma jovem que viu aqui no consultório há algum tempo. Nunca teve coragem de se declarar para ela.
Eloísa, ouvindo aquelas palavras, sentia seu corpo arrepiar e abaixando a cabeça pensava. “Meu Deus! Será que?... Não, não pode ser.” E lembrava-se das vezes que o olhar dele penetrava ao dela, como se já a conhecesse e quisesse falar alguma coisa.
Como de costume, terminando a consulta, saíram e seguiram seu caminho.
O tempo até chegarem de volta em casa era de mais ou menos uma hora e meia.
Quando estavam chegando, de longe Eloísa avista um carro parado em frente a sua casa. Carro que não lhe era desconhecido. Já havia visto por várias vezes.
− Aquele carro é o de Jonas! - Eloísa afirma para mãe.
− Com toda certeza! - confirma Dona Esmeralda.
E vendo Jonas na calçada de sua casa, Eloísa sente um calafrio percorrer todo seu corpo.
Um raio de sol, que já estava no poente, passava entre um galho de árvore e a cabeça de Jonas. Isso o fazia ficar franzindo a testa ao olhar para a direção de onde vinham as duas.


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       Mas quando seu olhar encontrou o de Eloísa, aquele raio de sol nada mais era do que um convite para declarar sua paixão por ela.
Não podia perder mais tempo. Tinha de ser naquele momento. Chegando perto, fixou nela um olhar de quem já estava apaixonado e sem falar nada a beijou longamente sem se importar com dona Esmeralda e as meninas que ali estavam.
Eloísa não entendendo nada, estava pálida e trêmu-la, mas seu olhar firme e meigo deixava transparecer sua inocência.
Assustada, Eloísa ficou tímida com aquela situação. Se lembrava dos olhares de Jonas que continuavam os mesmos, meigos e apaixonados. Como poderia esquecer aquele tempo?
Carol e Bia, que já sabiam, aplaudiram a cena, pois Jonas, antes de Eloísa chegar, já havia confessado sua paixão por ela.
Dona Esmeralda foi acomodada em um canto no sofá. Jonas se sentia à vontade para falar com ela.
Segurando forte a mão de Eloísa e olhando fixamente para dona Esmeralda, falou da sua paixão e pedia sua permissão para namorá-la.
Eloísa não falava nada, mas estava atenta a cada palavra que Jonas pronunciava.
Seus olhos brilhavam, suas pernas bambeavam e sentia seu coração bater acelerado. Receando que não conseguisse ficar em pé, teve que sentar.
Não sabia como controlar sua emoção, mas tentava acalmar seu coração.
Não tinha experiência com essas coisas, pois nenhum


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homem havia chegado tão perto dela a ponto de deixar-lhe sem fôlego com um longo beijo. Seu primeiro beijo. Num momento tão inesperado.
Porém, toda aquela paixão de Jonas por Eloísa assustava Dona Esmeralda, que quis saber direito como tudo aconteceu. E logo pergunta:
− Por que você nunca nos falou que é filho do Dr. Simão? Seu pai nos contou hoje. Depois que você saiu do consultório.
− Eu não precisava falar. - responde Jonas educadamente. − Só quero dizer que me apaixonei por sua filha desde que a vi pela primeira vez no consultório do meu pai.
− Por isso que você olhava tanto para ela? − pergunta Bia, com o seu jeito espevitado.
− Sim Bia. Por isso que eu olhava tanto para ela e não tinha coragem de me declarar. Tenho também que agradecer a Cléo por me trazer aqui sem saber da minha paixão.
Então Eloísa é a jovem que Dr. Simão falou! Ele conhece Eloísa, mas não sabe que é por ela que Jonas é apaixonado. E quando souber? Será que irá aprovar?
− Eloísa é uma menina pobre e simples. Talvez seus pais não aprovem o namoro.
− Mas é meiga e descente. É tudo que eu preciso. - disse Jonas acariciando o rosto de Eloísa, que escutava atenciosamente tudo que ele falava.
− Vocês fazem um bonito par. − falou Carol que até aquele momento não havia pronunciado nenhuma palavra.
Sentada no sofá ao lado da mãe, Bia com as mãos entre os cabelos, estava ansiosa para comentar alguma coisa.
Num repentino estalar de dedos falou em voz alta:
− E então, quando vocês vão se casar?


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         Ao mesmo tempo caiu na gargalhada. Gargalhada de deboche, que Eloisa não se conteve e a repreendeu:
− Por favor, Bia! Fale mais baixo!
E sentindo-se envergonhada com a atitude da irmã, pediu desculpas a Jonas:
− Desculpa Jonas! Ela não sabe o que fala.
Jonas com toda educação e como um homem apaixonado comenta.
− Calma Bia! Vamos ainda marcar um jantar para apresentar Eloísa a minha família.
No rosto sereno de Eloísa, estampou-se um sorriso. E, abaixando o olhar, esperou que Jonas a beijasse novamente.
O silêncio por alguns instantes se prolongou até que a voz de Bia se fez ouvir outra vez:
− É melhor não se beijarem muito agora. Vocês vão ter muito tempo para fazer isso.
Eloísa fixou um olhar de reprovação na irmã.
Em seu rosto meigo, havia uma expressão de nervosismo que Bia fingia não perceber, embora essa expressão ao mesmo instante parasse num vago sorriso que se misturava com a agitação do seu coração.
E quando a claridade do dia já desaparecia, o sol já se escondia, a noite já estava chegando. Jonas se despede e promete voltar.
Eloísa escondendo o rosto entre as mãos, esforça-se para dominar a ansiedade, mas muito feliz por todos os acontecimentos e surpresas daquele dia.
Não! Não queria chorar. Mas as lágrimas não a obedeciam.
Seu coração palpitava acelerado quando ainda ouvia


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o barulho do carro de Jonas se distanciando pela estrada à fora.
Seria um sonho? Um sonho real. Pensava Eloísa.
A felicidade batendo em seu peito.
Seu coração explodindo de ansiedade.
Sentimento inesperado tomando conta de seu ser.
Naquele momento, as irmãs e a mãe conversavam com Eloísa, que ainda sentia os lábios adormecidos pelos beijos de Jonas.
      Enquanto preparava-se para dormir, depois de apagar as luzes, as irmãs e a mãe no mesmo quarto faziam suas orações de agradecimentos.
Eloísa não conseguia dormir. Seu pensamento era só em Jonas.
Interrogações perturbavam sua mente.
“Será que Jonas realmente está falando sério? Será que gosta mesmo de mim? E Cléo? E quando souber?”
Mas não queria ficar pensando nisso e tentava afastar os pensamentos que a perturbavam.
Virava-se de um lado para outro tentando conciliar o sono com seus pensamentos. Olhou para o relógio da parede e já eram 3h50 da madrugada. Sua cabeça trabalhava ativamente.
Suas ideias se misturavam com seu pensamento em Jonas e em sua família.
No silêncio da noite, entre um pensamento e outro, só ouvia a respiração das irmãs e da mãe que dormiam profundamente.
Não conseguindo dormir, Eloisa levanta vai até a sala. Abre a porta e olha a lua e o céu iluminado de estrelas. Tudo parecia estar iluminando também seu coração que estava


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cheio de um lindo sentimento que nunca havia sentido.
Com isso, as lembranças do seu pai tomavam conta de todo seu ser.
Desde sua infância, o único homem dentro daquela casa havia sido ele.
Os pensamentos e a ansiedade atrapalham seu sono. Agora, já com vinte anos, podia fazer muitos planos.
Virava-se de um lado para o outro em sua cama, mas o sono não vinha.
       Enquanto isso, longe dali no mesmo instante, Jonas em seu quarto encostava sua cabeça em um travesseiro confortável e também não conseguia dominar a ansiedade, Seu pensamento estava em Eloísa.
Sabia que ela havia compreendido seu sentimento.
Precisava achar um meio de revelar seu amor por ela.
E enfim conseguiu. Estava muito feliz por isso, e ro-lando de um lado para outro na cama não via a hora de amanhecer ir à casa de Eloísa para poder beijá-la e abraçá -la loucamente.
       Eloísa nunca mais esqueceria aquele momento. Seu primeiro beijo em um choque inesperado e de um homem perdidamente apaixonado.
       O pensamento de Jonas voltou-se para o tempo em que havia visto Eloísa pela primeira vez. Quando seus olhos se encontraram, seu coração disparou de uma maneira que se enchia de uma intensa felicidade.
Ah! Como gostaria que Eloísa naquele momento percebesse que ele estava apaixonado.
Mas ao mesmo tempo entendia que ela não poderia perceber. Só ele sentia o palpitar do seu coração, pois nem ele mesmo entendia o que estava acontecendo.


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         Eloísa despertou imediatamente de sonho em que ele mergulharia sem medo. Mesmo sem saber se ela o aceitaria.
Perdido em seus pensamentos, sentou-se na cama. E, abraçado ao travesseiro, por um longo momento de felicidade suspirou aliviado por ter conseguido se declarar.
Como poderia continuar com Cléo se era Eloísa que ele amava?
       O domingo amanhecia. Com a insônia, Eloísa não via a hora do dia clarear. Enfim os raios de sol entram pela janela. E saindo do quarto de mansinho para não acordar suas irmãs, seguiu direto para o banheiro. Despiu-se e tomou um banho rápido.
Saiu do banho, enrolada na toalha com seu nome escrito em letras grandes e coloridas, que ela mesma havia bordado.
Depois de uma noite de insônia e mil pensamentos, o banho de água morna lhe fez muito bem, e olhando-se no espelho, que dava para observar seu corpo inteiro, deixou cair a toalha que lhe envolvia e viu refletir seu corpo nu.
Sabia que era bonita, mas nunca teve curiosidade de se olhar atentamente para observar seu corpo.
Só agora se olhava. E diante da própria imagem se imaginava nos braços de Jonas.
Aos vinte anos, só agora se sentia mulher. O desejo de sentir os beijos de Jonas fazia seu corpo tremer.
E, ainda se observando e se descobrindo, assusta-se ao ver Bia atrás de sua imagem refletida no espelho.
Com um olhar de zombaria, Bia a deixa sem graça.
Interrompida em seus pensamentos, Eloísa vai até oquarto, abre o guarda roupas, veste sua calça jeans que lhe


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cai muito bem e uma blusa branca de alças finas, que deixa seus seios firmes e volumosos, visivelmente atraentes.
Bia, não contente com o que via, olha para a irmã, louca para falar alguma coisa que a deixasse chateada.
        Eloísa, percebendo isso e sabendo da rebeldia de Bia, sai e senta-se na cabeceira da cama de sua mãe e, acariciando seus cabelos, beija-lhe a testa perguntando:
− Mãe, como você está? Como passou a noite?
− Estou bem filha, mas percebi que você não conseguiu dormir. Por quê?
Antes que Eloísa abrisse a boca para responder, Bia toma a frente e fala:
− Ora mãe! Você ainda pergunta por quê? Ela estava sonhando acordada em frente ao espelho, e sem roupas! Com certeza pensando nos beijos de Jonas. − diz com um jeito de quem quer irritar, vira as costas para Eloísa e sai com um sorriso sarcástico.
Nesse instante, Eloísa olha para dona Esmeralda, tentando falar alguma coisa. Embora nada dissesse, sua mãe entendia tudo o que a filha estava querendo dizer.
     A calma de Eloísa e a agressividade de Bia mostravam um contraste de personalidade, tanto que conversar com Bia não adiantava.
Aos deseseis anos, tomados pela rebeldia, Bia continuava a falar para irritar Eloísa:
− Será que Jonas vem hoje? Será que ele quer namorar você mesmo?
As perguntas de Bia ficavam sem resposta.
Sem nada dizer, Eloísa encara Bia, tentando intimidá -la e repreendê-la.
Bia, no entanto, fingia não perceber.


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       Dona Esmeralda toma a iniciativa de corrigir a filha chamando-lhe a atenção.
       A tarde chega com chuva e Jonas sai ansioso para conversar melhor com Eloísa, que não lhe saia do pensamento.
Antes de sair, já havia conversado com seu pai sobre sua paixão por ela. Dr. Simão aprovou de bom grado e lhe desejou boa sorte.
Só pediu que pensasse também nos estudos e na Faculdade de Medicina que estava prestes a terminar.
Chuva caindo, estrada lamacenta, pára brisas do carro não pára de funcionar. Faróis acesos clareavam a estrada. Jonas ansioso para chegar. A ansiedade lhe fazia companhia.
Enquanto isso, Eloísa também estava ansiosa, pois já era noite e Jonas não aparecia.
Devido à chuva, a velocidade era lenta e a atenção se misturava com a vontade de chegar logo.
Quando Eloísa já se recolhia e já havia apagado a luz da varanda, o barulho do carro se aproxima e o seu coração disparou a ponto de sair pela boca.
Jonas entra e Eloísa cai em seus braços, como se já estivesse completamente apaixonada e, olhando para ele, fitando seus olhos, pensava existirem só os dois naquela casa.
Jonas, por um momento, ficou a olhar para aquele rostinho lindo, de traços meigos e inocentes e, entregando-se aos encantos de Eloísa, a beija longamente sem se importar com Bia que surgia atrás da porta da sala com um sorriso irônico.
Os olhos de Eloísa brilhavam de prazer e satisfação.
Evidentemente estavam ambos cheios de desejos.


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        Bia entra na sala, tagarelando, tentando quebrar o encanto daquele momento.
− Oi gente, quais são as novidades? − perguntou, com ar de ironia.
Eloísa evitava responder qualquer pergunta de Bia.
Como adivinhar o que se passava na cabeça de sua irmã que sempre estava pronta para falar algo que a desagradava?
E com um olhar de repreensão, que Bia mal percebia devido a pouca claridade, Eloísa fez um gesto para que ela parasse.
Bia lançou um olhar de despeito para a irmã que já estava a ponto de pedir que ela se retirasse da sala.
Jonas não se importava com o jeito de Bia e às vezes ria de suas peraltices.
     Naquela mesma noite, Eloísa e Jonas ficaram por algum tempo juntos e se despediram, já sentindo um aperto de saudade no coração.
   Jonas, de volta a caminho de sua casa, de repente desejava ardentemente estar a sós com Eloísa. Por outro lado, a presença de Bia se tornava desagradável, mais ainda com aquele sorriso de deboche.
Mas tudo isso ia passar.
E eles tinham muito tempo para se amarem.
     Eloísa não entendia o porquê de tanta rebeldia de Bia, pois toda vida delas sempre foi cercada de muito carinho, bondade e doçura.
Por que Bia era tão diferente? Sempre perguntava a dona Esmeralda, se existia alguma coisa.
Raramente sua mãe respondia algo sobre isso. Sempre mudava assunto.


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        Na tarde do dia seguinte, quando todas estavam sentadas à mesa para o jantar, Eloísa observava a diferença entre Bia e Carol. Apoiava o cotovelo na mesa e, com a mão segurando o queixo, ficava olhando para as duas sem falar nada.
O silêncio foi quebrado por Dona Esmeralda, que tocava o braço de Eloísa e, preocupada, pergunta:
− Em que está pensando filha? − com um tom acariciador, continuou − Quero que todas vocês sejam felizes e consigam um bom rapaz para se casarem.
Bia levanta-se da mesa e com a mão na cintura fala:
− Será que Jonas é um bom rapaz? Eu não pretendo me casar com ninguém.
− Cale-se menina! − disse dona Esmeralda − Você ainda é uma criança, não entende nada sobre isso.
Bia com sua rebeldia responde irritada:
− A senhora me julga ainda uma criança, mas quando tinha a minha idade já havia se casado com papai.
Eloísa sente um desejo enorme de gritar, mas se contém e fala com serenidade.
− É, mamãe e papai foram muito felizes desde que se casaram. Mesmo com a pouca idade, souberam manter o equilíbrio e o amor um pelo outro.
− Fomos muito felizes sim filhas, pois o casamento só traz felicidade quando existe amor e respeito. − e baixando o olhar deixou que caísse uma lágrima.
Lágrima de saudades do seu esposo, que tão cedo se foi deixando tantas lembranças de quando eram felizes e apaixonados.
Carol, que estava ao lado da mãe, acaricia seus cabelos, apoia a cabeça em seu ombro e fala baixinho o quanto a ama.

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        Na verdade, Dona Esmeralda casou-se com quinze anos, enquanto que seu Arlindo tinha vinte e seis.
       Uma brisa entrava pela porta aberta e, olhando o pôr do sol, que tão lindo se via ao longe desaparecendo atrás da serra, Dona Esmeralda não conteve o choro.
Aos soluços, segurava a mão de Eloísa que já não entendia o motivo de tantas lágrimas.
Carol, acariciando sua mãe, tenta acalmá-la.
Bia, fria, não se importava nada com as lágrimas e os soluços de dona Esmeralda, mas no fundo pensava e por dentro em silêncio se perguntava. Por quê?
       Era inevitável Dona Esmeralda ver o pôr do sol tão lindo e não se lembrar de seu Arlindo, que toda tarde sentava na varanda de casa para descansar depois de um dia de trabalho. Ele ficava a observar aquela linda paisagem e agradecia por mais um dia.
        Olhando rapidamente para cada uma das filhas, baixou o olhar e forçou um sorriso sem falar nada, esperando que Eloísa comentasse alguma coisa. No fundo sabia de certo que ela havia compreendido bem o motivo de suas lágrimas.
        Há três meses que Eloísa e Jonas estavam namorando. Durante esse tempo, Jonas vinha nos finais de semana e já havia apresentado Eloísa para seus pais. Dr. Simão aprovou de imediato, mas sua mãe, Dona Catarina, não via com bons olhos esse namoro.
Com certeza por Eloísa ser uma menina muito simples. Sempre desejou que Jonas namorasse uma das suas colegas de faculdade.
Algum tempo depois, porém, a mãe de Jonas passou a acreditar sinceramente no amor  que havia entre eles e não


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mais fazia restrições sobre o relacionamento dos dois quejá pensavam em casamento. Tão logo Jonas concluísse o curso de medicina iriam tratar disso.
    Felizes e já fazendo planos para o futuro, Eloísa e Jonas se amavam verdadeiramente.
     Nos últimos dias, Eloísa passava horas, mergulhada em seus pensamentos. Estava perdidamente apaixonada. Lembrava-se do seu primeiro beijo, quando os lábios de Jonas tocaram os seus, e seus olhos se fecharam para sentir a emoção daquele momento. Com os olhos fechados, sentia o calor dos lábios de Jonas. Sentia também seus braços se enroscarem em sua cintura, abraçando-a.
Muito rápido, Eloísa abriu os olhos e Jonas a fitava admirando-a e a beijou de novo. Não havia motivos para resistir. Naquele instante queria que ele não parasse.
Enquanto Eloísa estava perdida em seus pensamentos, Carol fitava o vazio da varanda de sua casa.
Naquela tarde fria e de muito vento, Carol da vara-da olhando ao longe avistou alguém sentado na calçada.
De onde estava dava para reconhecer que se tratava de Douglas, rapaz que há algum tempo havia lhe pedido em namoro no banco da praça em frente à Igreja.
A timidez fez com que Carol se sentisse trêmula e encabulada. Mesmo com seu acanhamento, saiu e foi ao encontro de Douglas, que sentia frio sentado naquela calçada.
Carol apenas queria saber o que ele estava fazendo ali sozinho.
Douglas, vendo Carol aproximar-se, levantou e foi ao seu encontro.
Tentando olhar dentro dos seus olhos, lembrou-se de


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quando a pediu em namoro. Porém, naquele instante preferia que ela nem se lembrasse daquele dia.
Mas ela se recordava nitidamente de suas palavras.
Douglas percebeu que Carol se recordava e se sentia meio atrapalhada. Mesmo tímida, Carol estendeu-lhe a mão, segurou em seu braço e o convidou para ir até sua casa.
Percebeu que Douglas estava com suas feições cansadas e com uma tristeza enorme.
“Coitado, o que ele tem?” pensava Carol.
E, forçando um sorriso, disse:
− Sente-se, descanse um pouco.
Douglas sentou-se e, olhando para ela, agradeceu.
Não queria contar o motivo de sua tristeza, mas Carol a todo instante sentia o desejo de saber e perguntava:
− Por que está assim? O que houve?
− Um dia vou contar − falou Douglas com o olhar firme no chão e as mãos entre as pernas. Parecia impossível que estivesse ali diante de Carol, pois se sentia tímido e acanhado. Não conseguia falar a razão de sua tristeza.
Passados alguns minutos, levantou-se e saiu prometendo voltar tão logo estivesse bem.
Carol o acompanhou com o olhar até desaparecer no final da rua quando virou a esquina.
Nesse instante surgia uma lembrança, que se apagou imediatamente com o som da voz estridente de Bia que tagarelava tanto a ponto de provocar uma tensão nervosa em Carol.
Do fundo do seu coração, dispensava qualquer tipo de conversa com ela, mas Bia insistia em falar.
− Quem estava aqui com você?


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        A pergunta de Bia saía entre tantas palavras que Carol esforçava-se para não responder nada.
Evidentemente que Bia sabia quem estivera ali e ouvi-ra toda conversa.
Carol ficou irritada por um momento, mas tentava ignorá-la.
     Eloísa engolia em seco diante dos olhares de Bia para Carol que ficava ali parada sem dar uma resposta às suas provocações. Bia falava:
– Trate de não aceitar namorar estranhos, irmãzinha!
Carol aproxima-se de Eloísa e cochicha algo em seu ouvido. Com certeza não gostaria que Bia ouvisse.
Logo ao deitar-se, Carol conta tudo para Eloísa.
− Você não fez nada de mal. − Eloisa deu um sorriso de aprovação e continuou − Então Douglas quer namorar você?
Meio tímida, Carol afirma acenando com a cabeça.
Carol, voltando a lembrar das palavras de Douglas, tenta recordar da conversa que teve com ele há algum tempo atrás.
Douglas havia comentado que fora convocado a servir no exército e teria que sair de Santa Rosa. Seria esse o motivo da sua tristeza? Carol ficava a pensar e logo que tivesse oportunidade conversaria melhor com ele.
        Fez-se um silêncio durante alguns minutos e logo ini-ciaram-se as orações que faziam costumeiramente todas as noites antes de dormir.
Vendo dona Esmeralda erguendo a cabeça ao céu com suas orações, Eloísa tinha certeza de que sua mãe era atendida.
Dona Esmeralda, senhora meiga, seu jeito calmo e sereno, vez em quando fazia crochê e vendia para as vizinhas.


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        Entre suas vizinhas, Izabel sempre foi a mais querida de todas. Pronta a ajudar em todos os momentos e no que precisassem.
Izabel era uma pessoa bondosa, muito organizada e rápida. Amava a vida e fazia todos entenderem que ela vale muito a pena.
Aos sábados, como era de costume, Izabel convidava as amigas para tomarem café da tarde em sua casa.
Dona Esmeralda e Izabel achavam-se ligadas uma à outra por uma amizade antiga e um segredo que só as duas sabiam. Segredo esse que escondia das filhas e às vezes sentia necessidade de contar. Com certeza, quando chegasse a hora certa, contaria.
Às vezes sentia uma grande sensação de culpa por guardar esse segredo tanto tempo. Seu coração tinha uma bondade imensa, mas bastava imaginar que alguém desconfiasse do que guardava dentro dele para sentir um choque despertando repreensão e fraqueza.
Mesmo sentindo essa fraqueza, não era hora de abrir seu coração para quem quer que fosse, e quando tivesse que revelar esse segredo, tudo poderia mudar. Um dia teria que revelar. Como suas filhas reagiriam?
Confiava muito em Izabel. Amiga para todas as horas. Ainda bem que a tinha para compartilhar suas aflições.
Às vezes se sentia-se muito triste e angustiada por temer revelar isso. Mais cedo ou mais tarde teria que contar. O que fazer? Não queria guardar esse segredo para sempre.
Carol, olhando para a mãe e vendo sua expressão de ansiedade, pergunta-lhe:
− Mãe há alguma coisa que a preocupa e a senhora não quer nos falar?


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           Dona Esmeralda mal conseguia respirar quando Carol, franzindo a testa, lhe fez essa pergunta.
É claro que Carol tinha razão. Ela estava realmente muito pensativa e preocupada.
Mas a resposta veio de imediato  com um largo sorriso forçado. Olhando para Carol, falou:
− Filha, a única coisa que me preocupa é o futuro de vocês.
Os olhos de Carol estavam fixos no rosto da mãe, enquanto ela tentava se explicar.
Sem dizer mais nada, Carol acaricia seu rosto, respira fundo e sai da sala.
O silêncio, depois da pergunta de Carol, se fez por muito tempo.
Sem perceber a presença de Bia, Dona Esmeralda fala baixinho para si mesma:
− Elas nunca vão me perdoar quando souberem disso.
Mesmo em tom de voz baixo como se estivesse pensado o que pronunciou, Dona Esmeralda percebe que Bia ouviu algo.
De frente para sua mãe, Bia com uma expressão de espanto e tentando entender o porquê daquelas palavras faladas baixinho, segura as mãos da mãe como nunca havia feito e pergunta carinhosamente.
− Mãe! O que nunca vamos perdoar?
Dona Esmeralda, diante da pergunta de Bia, desejou nunca ter pronunciado aquelas palavras.
Por um instante Dona Esmeralda sentiu um nó na garganta e, fitando fixamente o rosto de Bia, pede para ela encostar seu rosto próximo ao seu, beija-lhe sua face e fala. − Desculpe filha. Não há nada, eu pensei alto. Vocês


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são tudo na minha vida. Vocês são a razão do meu viver. Sou a mãe mais feliz do mundo por ter vocês.
Bia balançou a cabeça tentando entender sua mãe e falou:
− Eu prometo não pensar nisso agora, mas depois quero saber tudo que está lhe atormentando.
Bia ficou encabulada com aquele pensamento alto de Dona Esmeralda.
       Eloísa e Jonas cada dia ficavam mais apaixonados. Estavam planejando noivar e logo casariam.
Eloísa estava muito ansiosa e preocupada, pois nunca havia saído de perto de sua família. Seu amor por Jonas era tão grande que muitas vezes sentia certo temor. Tinha certeza também que Jonas a amava muito. Seu primeiro namorado e primeiro amor.
Seu coração pulava dentro do peito toda vez que via Jonas chegar. Sentia como se seu coração quisesse sair e gritar “Eu te amo”.
E na dúvida e pela falta de experiência, muitas vezes se perguntava: “Será que é assim mesmo essa ansiedade estranha que sinto? Ou é porque ele é meu primeiro namorado?” Seu coração falava por ela.
E assim passava seus dias, pensando em Jonas e ansiosa por vê-lo.
Jonas um rapaz encantador. Educado, prestativo e muito fino. Qualquer moça se apaixonaria por ele. Paixão, amor, saudade, receio de perdê-lo. Era tudo que seu coração sentia. Mas estava dando tudo certo.
      No ano seguinte Jonas terminaria a faculdade de medicina e então se casariam. Planos eram feitos sempre que estavam juntos.


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          Enfim o noivado. Eloísa estava radiante de tanta felicidade. Até o momento, tudo perfeito. Jonas também muito feliz. Não, não queriam temer nada.
Tinham certeza do amor que sentiam um pelo outro. Estava na hora de formalizar este relacionamento.
As alianças foram compradas. Na aliança de Eloísa, o nome Jonas e as palavras AMOR ETERNO.
Na aliança de Jonas, o nome Eloísa e as palavras AMOR ETERNO.
Dona Esmeralda não se continha em ver a filha feliz ao lado do seu grande amor. Os pais de Jonas também acreditavam muito no amor dos dois.
Eloísa, menina simples, mas de boa educação, sensível, responsável, muito bonita e atraente.
Tudo contribuía para que o casamento desse certo.
Afinal, o mais importante existia entre eles. O amor verdadeiro.
Jonas jamais imaginou amar tanto alguém como ama-va Eloísa. À noite, no silêncio do seu quarto, ficava a pen-sar em todos os momentos com ela, sonhando com o dia em que ela fosse totalmente sua. Por enquanto, beijos e abraços apertados. Sexo ainda não existia entre eles.
Eloísa é a mulher que ele sempre sonhou. E ainda bem que a encontrou.
Tinha todas as qualidades para fazê-lo feliz. Desde que a viu pela primeira vez soube que ela seria sua amada, e por nada nesse mundo poderia perdê-la. A mulher que desejaria amar por toda a sua vida.
         Tarde fria, chovia muito, não se podia sair de casa.
A chuva era muito forte, os trovões sacudiam a terra e os raios riscavam o infinito.


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          Tudo que Jonas desejava era estar ao lado de Eloísa.
Mas naquela tarde de sábado, enquanto ouvia o baruho da chuva caindo, viajava em seus pensamentos.
A tempestade estava muito forte. As estradas depois de muita chuva ficavam lamacentas dificultando a passa-gem dos carros.
A ansiedade tomava conta do seu peito. Não ver Eloísa era tudo que ele não queria.
A noite chegava. Jonas, ansioso, andando de um lado para o outro, olhava pela janela a chuva que caia lá fora. Esperava que a chuva passasse para sair correndo ao en-contro de sua amada.
Eloísa em sua casa ficava ansiosa por não ver Jonas chegar. “O que aconteceu que Jonas não veio?” Eloísa se perguntava sem ninguém para lhe responder.
Pra lá e pra cá, já eram quase dez horas da noite, quando lá fora seu cachorro começava a latir, anunciando que alguém estava a chegar.
Eloísa abre a porta e vê ao longe um farol acesso e o barulho de um carro vindo lentamente em direção à sua casa. Seu coração bate acelerado só em pensar que poderia ser Jonas.
Bia aproxima-se de Eloísa e fala.
− Está esperando Jonas ainda? Será que ele foi para outro lugar irmãzinha?
E para deixar Eloísa mais ansiosa ainda, continua.
− Talvez ele tenha ido se divertir e nem está pensando em você.
Eloísa não fala nada. Ignora a observação de Bia.
E como num passe de mágica, o carro que avistara ao longe pára em frente a sua casa. Carro que ela não reconhecia.
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Imediatamente sente um alívio em seu peito ao ver Jonas descer e correr para seus braços.
Bia olhava aquela cena, ficando estática. Respirava fundo e, cruzando os braços, fixava seu olhar nos dois fazendo um comentário com malícia:
− Isso são horas para chegar? Já estávamos nos recolhendo para dormir. Você vai dormir aqui ou ainda volta para sua casa hoje?
Jonas com toda sua educação responde:
− Vou ficar um pouco e volto logo para casa. É que amo tanto sua irmã que não poderia deixar de vir. Fico a semana sem vê-la e um dia a mais é uma eternidade. Amanhã estarei aqui de volta.
Eloísa abraça Jonas e o beija longamente, enquanto Bia vira as costas e vai para seu quarto sem falar mais nada.
Dona Esmeralda, que ouvia toda a conversa, entra na sala, cumprimenta Jonas e pede para ele ficar.
− Jonas, durma aqui esta noite! Você acabou de chegar.
Jonas se desculpa, porque chegou naquele horário. Contou da chuva forte, dos caminhos lamacentos. E ainda teve que vir no carro do seu pai.
Agradeceu Dona Esmeralda, mas não aceitou o convite para dormir.
Logo se despediu de Eloísa e foi embora, prometendo voltar no dia seguinte.
     Após o noivado, marcaram o casamento para o mês de maio do mesmo ano.
Tudo estava sendo preparado com muito bom gosto.
O casamento era o comentário da cidade. Muitos foram convidados.


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     Enfim, o dia do casamento de Eloísa e Jonas.
Dois jovens apaixonados.
Nervosismo e ansiedade tomavam conta dos noivos.
Eloisa precisava concentrar seus pensamentos de modo a torna-se atraente e serena antes de chegar a hora de entrar e caminhar firme naquele tapete vermelho que a conduziria até o altar onde Jonas estaria a lhe esperar.
Sabia que toda a atenção seria para ela, por isso tinha de estar muito bem preparada psicologicamente.
Na fazenda do pai de Jonas, tudo estava sendo preparado com cuidado e delicadeza para a cerimônia. O altar, o tapete vermelho, as flores. Muitas flores. Jasmins e copos de leite faziam o caminho até o altar.
Os preparativos para a festa já estavam todos prontos, com garçons e garçonetes para servir. Uma festa de muito bom gosto e finura.
As mesas elásticas, forradas com as mais finas toalhas douradas, colocadas nas sombras das árvores e cercadas de banquetas com almofadas de cor também dourada. Tudo muito bem organizado.
Talheres de prata e louças de porcelanas. Taças de cristal que brilhavam aos olhos de todos.
Os convidados chegavam. Do mais simples ao mais elegante. Senhoras bem vestidas e senhores muito educados, amigos do Dr. Simão.
À espera da noiva, Jonas já estava no altar ao lado do padre Evaristo e dos padrinhos.
A carruagem que conduzia a noiva se aproximava e lindamente Eloísa desce com seu belo vestido de seda e cetim branco.
Justo da cintura para cima, onde um decote arredonda-


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do deixava seus seios mais volumosos e atraentes. Alguns babados que disfarçavam seu quadril e uma grande cauda que cobria quase todo o tapete vermelho.
Um chapéu branco de abas largas, os brincos com brilhos que reluziam a luz do sol e a deixavam mais bela. Seus cabelos entrelaçados e as pontas cacheadas, deixavam um ar de infantilidade.
Seus olhos tinham a felicidade que se iluminavam ao fitar o olhar dos convidados e conhecidos que não desviavam a atenção dela.
Sem a presença do pai, quem a conduzia até o altar era seu tio Antonio.
Em sua frente duas daminhas levavam as alianças.
Jonas, elegante com seu terno preto, vendo Eloísa entrar linda, feito uma princesa, se desmanchou em lágrimas. Entre tantas lágrimas e muita emoção, recebe Eloísa no altar com um leve beijo na testa.
O padre Evaristo, celebrou a cerimônia no mais fino estilo.
Todos os convidados, emocionados, não deixavam escapar de seus ouvidos e olhos nenhuma palavra e detalhes.
O amor que existia entre os dois se refletia na pureza e na ternura do rosto de Eloísa. Olhares apaixonados eram trocados a todo instante.
Bia, por mais quieta que estivesse, às vezes tentava afastar o olhar dos noivos, mas não conseguia.
Sentia desejo de falar coisas audaciosas e tentava provocar abanando a cabeça e se desmanchando em risos, como se não quisesse acreditar naquela união.
Mas nesse dia maravilhoso, dia de sonho e de deslumbramento, Eloísa e Jonas estavam mais apaixonados que nunca.


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      Terminada a cerimônia matrimonial, após cumprimentarem os noivos, todos se ficaram bem acomodados. Eloísa, sentada em um banco na sombra da varanda da casa da fazenda, com um tímido sorriso de simpatia acena aos convidados que estavam a saborear o delicioso churrasco. Estes ao mesmo tempo elogiavam o seu lindo vestido.
Enquanto isso, Jonas permanecia sentado em um banquinho distante dos convidados a conversar tranquilamente com sua mãe e Dona Esmeralda, mantendo o bom humor e um sorriso iluminado que Eloísa amava muito.
Jonas, olhando para Eloísa, pensava se iria conseguir resistir até o final da festa para tê-la por completo em seus braços.
Já passava das sete horas da noite e o sol já se escondia atrás da serra.
A brisa fresca começava a balançar as árvores que horas atrás serviam de sombra para todos.
Alguns convidados já haviam se retirado. Logo o baile começaria.
Do vestido de seda e cetim branco, agora Eloísa usava um vestido vermelho que combinava com sua pele clara e cabelos escuros.
Estava linda aos olhos de todos.
O baile não acabaria antes da meia noite. Os convidados tinham certeza disso.
Jonas se aproxima de Eloísa, a tira para dançar e fala baixinho em seu ouvido:
− Amo você! É a mais linda mulher que eu já vi! Hei de fazê-la muito feliz.
Eloísa, mergulha naquele olhar de homem perdida-


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mente apaixonado, abraça-o forte e o beija longamente sem se importar com os olhares dos convidados que ali estavam. Apenas via diante de si o homem que amava e que agora era seu marido.
Quando retirou os olhos de Jonas, sentia o peso do olhar de Bia que fixava nele sem pestanejar.
Eloísa, observando Bia, seu olhar foi de encontro ao dela que imediatamente deu um sorriso sem graça e, descontrolada, virou as costas e retirou-se.
Um sentimento estranho apertou o coração de Eloísa, que nesse momento pensava e se perguntava. “Por que Bia é assim?” A mesma pergunta que não queria calar.
Logo se animava e afastava esse sentimento, pois sabia que na manhã seguinte iria viajar em lua de mel para Lisboa.
Estava muito feliz e nada a faria ficar triste naquele momento tão especial.
      O dia amanhecia e logo iriam para o aeroporto. Ansiosos à espera do avião em que iam embarcar, Jonas e Eloísa estavam perdidamente apaixonados, se abraçavam e se beijavam loucamente.
Estavam muito felizes, sentindo-se completamente um do outro.
Tudo perfeito, como Jonas planejara.
Sol brilhando no céu, dia quente, Eloísa e Jonas em plena lua de mel na praia de Cresmina andando de pés descalços sentido a areia entre os dedos. As ondas que vinham, lavavam seus pés. O mar estava maravilhoso. Parecia entender a felicidade dos dois.
Momentos felizes para nunca mais serem esquecidos.
Deitados na areia, naquele encanto, com as ondas domar o sol bronzeando seus corpos.


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          Vez em quando entravam na água e deixavam que as ondas os cobrissem. Então os dois abraçavam-se e se beijavam longamente sentindo a força das águas lhes empurrar para a areia.
De mãos dadas, corriam e se deliciavam com tudo que estavam vivendo.
Eloísa, com seu biquíni amarelo, deixava suas curvas à mostra com seus seios volumosos que fazia com que Jonas se sentisse enciumado quando percebia os olhares de outros rapazes para ela.
Todos os dias saiam para passearem na cidade e conhecer as maravilhas do lugar.
Em Lisboa permaneceram por quase um mês e voltaram para a cidade de Serrana onde iriam morar.
      De volta ao Brasil, muitos planos para colocarem em pratica. Tudo o que desejavam era ficarem juntos para sempre. O amor entre eles aumentava a cada dia. A felicidade de estarem juntos todos os dias tomava conta dos dois.
Jonas muito atencioso e carinhoso com Eloísa.
“Como não amar esse homem?” Eloísa pensava e realmente amava muito Jonas.
Após seis meses do casamento, Eloísa sentiu-se um pouco tonta e, avisando Jonas que estava no consultório, logo veio correndo para atender sua esposa.
Eloísa conta o que está sentindo e Jonas providência logo alguns exames a serem feitos.
Logo que sai o resultado, uma surpresa: Eloísa estava grávida.
Os dois ficam radiantes, não se contendo de tanta emoção e felicidade.


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          Começaram a fazer planos para comprarem o enxoval do bebê e a escolha do nome.
E se for menino? E se for menina?
− É melhor aguardar um pouco até saber o sexo. - falava Jonas para Eloísa que o abraçava. E, ali mesmo, se amaram. Dois meses depois, novos exames e descobrem que Eloísa esta grávida de gêmeos, um casal. Os nomes foram escolhidos.
O menino se chamaria Jessé e a menina Janine.
O quarto dos bebês foi decorado com muito amor e bom gosto. Tudo estava completo na vida dos dois.
A barriga de Eloísa ia crescendo e Jonas acompanhando a cada dia.
Dona Esmeralda estava felicíssima pela chegada dos netos. Afinal, seus primeiros netinhos.
       Mas como tudo na vida não é só felicidade, mais uma vez o destino prega-lhes uma peça.
Eloísa recebe a noticia de que a mãe havia caído e estava sendo internada para uma possível cirurgia.
Eloísa se mantém calma, mas apreensiva, e sai de imediato para o hospital.
Nessa queda, Dona Esmeralda havia batido a cabeça.
Após a queda e mais de um mês internada, Dona Esmeralda volta para casa, mas continua se sentido muito mal. Muito fraquinha, teve de voltar logo ao hospital e ser novamente internada. Sua saúde estava muito debilitada.
As filhas, muito preocupadas, não a deixavam sozinha. Estavam sempre ali ao lado da mãe, dando toda atenção e carinho. Mas a cada dia que passava não viam melhora.
Após alguns dias, foi transferida para a UTI, onde acompanhante não podia ficar.


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         Sentindo-se muito mal, pedia a presença das filhas que logo foram chamadas pela direção do hospital, o qual prontamente atendeu ao pedido de Dona Esmeralda.
Quando suas filhas chegaram, mil pensamentos lhe atravessaram a mente, mas não conseguia formar uma só frase.
Apenas podia lentamente mexer a cabeça e olhar para elas com os olhos rasos d água. Por que razão não conseguia dizer nada?
− O que há mãe? – perguntava Eloísa − Quer confessar-nos algum segredo?
Seu coração acelerou ao ouvir essa pergunta.
Sem conseguir falar, estendeu a mão e com os olhos brilhantes como nunca e o intenso rubor de suas faces, deixava Eloisa perceber que existia alguma coisa estranha. Então, segurando a mão de Eloísa, começou a murmurar alguma coisa que ninguém conseguia entender.
Dona Esmeralda relembrava de quantas tentativas anteriores em que queria muito ter confessado esse segredo para as filhas. Mas neste dia, nesta hora em que se sentia muito fraca no leito de uma UTI de hospital, sabia com certeza de que se não falasse naquele momento, não falaria nunca mais.
Entre cada palavra murmurada e outra, Carol entendia que a mãe pedia para que Izabel viesse até o hospital.
“O que será que minha mãe tem para falar?” Bia pensava lembrando-se do dia em que ouviu as palavras dela.
Naquele momento, uma onda de calor invadia o corpo de Bia, que suava e tremia. Talvez estivesse pressentindo algo. Uma tempestade de pensamentos invadia sua mente. Não entendia o que estava acontecendo. Apenas sabia que


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sua mãe estava muito mal. E isso a deixava triste.
Não tardou muito e Carol chega com Izabel, que com certeza já sabia do que se tratava.
Fez-se durante um longo instante um silêncio profundo. Parecia até que ninguém respirava naquele momento. Uma olhando para a outra sem entender nada. Só Izabel sabia.
Dona Esmeralda, cheia de aparelhos, olhava firme em Izabel e Bia.
Era chegada a hora. Não podia esperar mais. O segredo tinha de ser revelado. E, quebrando aquele silêncio, conseguia falar baixinho, balbuciando as palavras que mal se ouviam. Palavras pronunciadas lentamente.
− Filhas, fiquem perto de mim.
De um lado do leito, Eloísa, Carol e Bia. As três segurando as mãos da mãe que com os olhos cheios de lágrimas olhava para elas.
Izabel do outro lado, olhando para a amiga, sentia que era chegada a hora e já sabia do que se tratava.
− Fale Esmeralda. Conte tudo, não tema nada. − pedia Izabel.
− Não! Não posso. − murmurava Dona Esmeralda apertando as mãos das filhas.
− O que quer dizer, mãe? Fale logo o que está lhe afligindo tanto. − as três filhas, ao mesmo tempo, perguntaram.
Eloísa nunca tinha visto estampado no rosto de sua mãe uma expressão tão grande de sofrimento e dor como estava vendo naquele instante.
Todas sabiam que Dona Esmeralda estava muito mal e temiam perdê-la.


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           O desejo de desabafar fazia com que tivesse forças para falar. Olhando firme para Bia, pronunciava lentamente as primeiras palavras.
− Querida e amada filha, tudo que vou falar é a mais pura verdade, e se você viesse a saber disso por outras pessoas eu nunca me perdoaria. Manter esse segredo por todos esses anos foi muito difícil e sofrido.
Uma lágrima lhe molhava a face, ao pronunciar essas palavras.
− Como queria ter falado antes, mais tinha medo da sua reação. Poderia até me odiar. E agora, nesses meus últimos momentos, sinto obrigação de contar. Não posso mais esperar. É o meu dever confessar-lhe isso.
Já estava quase sem forças para continuar falando. Segurou a mão de Bia, que estava suando frio de ansiedade e, tremendo feito uma criança assustada olhando para a mãe. Dona Esmeralda continua:
− Filha, você sabe perfeitamente que a amo muito. Hoje, neste momento, quero dizer que a amo muito mais.
Bia com os olhos cheios de lágrimas. Seu coração pedia que sua mãe falasse logo tudo o que sentia vontade e, acariciando os cabelos de dona Esmeralda, beija-lhe a testa e fala.
− Continue mãe querida, desabafa, abre seu coração, não me esconda nada.
Nesse momento de ansiedade, carinho é o que se ouvia no que dona Esmeralda tinha para dizer. Numa calma natural, parecia até que um manto envolvia naquele instante todas as suas emoções. De sua boca saía em um tom sereno e nítido:
− Beatriz, você é minha filha do coração. Encontrei você quando ainda era recém-nascida.


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   Sem dizer mais nenhuma palavra abaixou seu olhar e seu coração disparou e ao mesmo tempo parou. E naquele momento se despediu do mundo.
Como num passe de mágica se calou. Sem entender nada, Bia aos soluços abraçava a mãe que já estava sem vida no leito. Assustada e trêmula, Bia sentia vontade de atirar-se sobre ela e saber mais de sua história.
O médico foi chamado de imediato e constatou seu óbito.
Choro, desabafo e lamento. Dor que sufocava o peito das filhas. Agora, todas sabiam do segredo que fora guardado por quase vinte anos. Só agora nos últimos minutos de vida, revelado por dona Esmeralda em algumas palavras.
A vontade de Bia era de sair gritando pelos corredores do hospital, mas não lhe era possível. Tudo acontecia ao mesmo tempo. A mãe que acabara de se despedir deste mundo. O segredo revelado.
Bia, Carol e Eloísa abraçavam-se procurando dominar a dor que sentiam.
Por dentro, sentiam o peito apertado de tanta tristeza e dor.
As três filhas atiravam-se sobre o leito a soluçar.
Bia gritava desesperadamente. Carol tentava consolá-la.
− Querida, não se desespere assim. Procure pensar no amor que mamãe dedicou a todas nós.
Eloísa acariciava-lhe os cabelos, enquanto Bia tentava se acalmar.
Não era justo tudo acabar assim. Agora, sabendo que não era filha legítima de Dona Esmeralda, um aperto no peito chegava até a sua garganta. Começava a dar altos suspiros. Suspiros de dor, de angustias e de muitos por quês.


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Como gostaria de falar para sua mãe que a amava muito e que ela era muito importante.
E tudo se calou, como se um silêncio tomasse conta do mundo. Nada mais se ouvia e nada mais parecia existir. Uma nuvem de lágrimas cobria seus olhos que já estavam inchados de tanto chorar.
Tudo parecia noite. Em sua mente tudo ficava escuro.
Por um momento Bia olhava para as irmãs com uma expressão meiga e suave. Em seu rosto de menina rebelde, agora transparecia uma serenidade carinhosa que se misturava com a agitação do seu coração.
Perguntas lhe atravessavam a garganta, enquanto os soluços lhe sufocavam a voz. Tantas interrogações, mas não tinha respostas.
Por quê? Só agora?
Por que não me contou antes?
Onde está e quem é minha mãe?
Izabel que sabia de toda a história tentava acalmá-la.
− Deixe passar esse momento, outro dia contarei tudo.
Confie em mim.
Agora tinham de cuidar do funeral.
Assim foi feito. Eloísa tomou todas as providências para o sepultamento de sua mãe. Tudo tratado com cuidado e carinho. Muitas flores, tal como dona Esmeralda gostava.
Naquela noite, após o sepultamento da mãe, Bia não conseguiu dormir dominada pela emoção. Estava sentindo tristeza, incerteza, esperança e medo. Nesse redemoinho de emoções e ansiedade, sentia sua respiração acelerar. Sentia vontade de desaparecer se fosse possível. Quando já raiava o dia, levantou-se da cama, sentou-se num banqui-


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nho ao lado da porta da sala e ficou a observar as árvores que, molhadas de orvalho, pareciam trazer um conforto ao seu coração. O vento forte trazia o cheiro das folhas.
Vestia ainda a mesma roupa que usara no enterro da mãe.
Apesar da morte da mãe, sabia que continuaria sendo amada e bem cuidada pelas irmãs. Um sentimento de gratidão nascia dentro do coração de Bia. Não era hora de revolta. Tentava controlar sua ansiedade.
O sol já brilhava no céu. Os raios entrando pela porta da sala esquentando seu corpo como se entendessem o que ela estava sentindo e quisessem fazê-la desviar seus pensamentos.
Atrás dela estava Eloísa que há alguns minutos a observava. Passando a mão em seus cabelos e encostando a cabeça sobre o ombro de Bia, deixou que as lágrimas caíssem. Para elas tudo agora se tornava muito mais difícil com a ausência da mãe.
Um vazio dentro de cada uma se fazia presente.
Era impossível acreditar que a mãe estivesse morta.
Sempre foi tão presente na vida delas. Principalmente Eloísa, a mais velha, que a tinha como sua melhor amiga. Tudo que sentia era a mãe que a aconselhava.
Até quando começou namorar Jonas, pedia conselhos a ela que estava sempre pronta a ouvir e ajudar. Eloísa ouvia com muito carinho todos seus conselhos. Receava o que teria de enfrentar dali pra frente sem a presença dela, mas infelizmente tinha que aceitar a realidade.
Nesse instante de tantos pensamentos lhe atravessando a mente, percebia Carol ao seu lado muito triste.
Era uma explosão de emoção no coração das três. Lá-grimas escorriam pela face de Eloísa que ainda estava abra-


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çada a Bia, respirando fundo, tentando recuperar o controle sobre si.
Izabel tentava amenizar a dor com palavras de conforto.
Os dias passavam, mas nunca mais seriam os mesmos. A alegria que antes existia agora dava lugar à tristeza e ao vazio.
Izabel, que havia prometido contar toda a história sobre Bia, sabia que era chegada a hora. Afinal, já se passaram oito dias da morte de dona Esmeralda.
A ansiedade de Bia era visível aos olhos de todos e, segurando as mãos de Izabel, fala:
− E então Izabel, conte-me tudo o que aconteceu desde o início, não me esconda nada. Preciso saber como eu vim parar aqui.
Izabel já não via a hora de contar esse segredo. Agora era chegado o momento.
− Meninas, sentem-se perto de mim. Agora vou contar tudo sem aumentar ou omitir nada.
Entre emoção e curiosidade, as três segurando as mãos uma da outra, ficavam a olhar para os lábios de Izabel a cada palavra pronunciada.
Queriam entender tudo do começo ao fim.
Izabel, olhando nos olhos de Bia, continua falando lentamente e com muito cuidado para que todas entendes-sem bem o que ela tinha a dizer. Assim, falou:
“Era um domingo de fevereiro e o dia amanheceu com muita chuva.
Esmeralda e eu saímos para igreja, pois logo começaria a primeira missa do dia.


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Seu Arlindo ficara em casa com Carol e Eloísa. Ainda estava um pouco escuro. Muita chuva. Os raios riscavam o céu.
Saímos por volta das seis horas da manhã. Cada uma com seu guarda chuva.
Logo que chegamos à pracinha, junto ao pé de bambu, estava ali uma caixa de papelão. Esmeralda parou para se proteger, pois seu guarda chuva havia quebrado, pois a chuva estava muito forte naquele momento. E, olhando aquela caixa, já toda encharcada, percebeu que havia algo dentro dela.
Meio receosa, de inicio mexeu na caixa com o pé. Então, ouvimos um gemido. Imaginamos que fosse um animalzinho.
Tão grande foi nossa surpresa quando nos abaixamos e vimos um rostinho lindo, de olhos expressivos e tremendo de frio. Parecia implorar para que alguém a socorresse.
Os lábios roxos de tanto frio, que se mexiam numa expressão de sorriso e choro, as mãozinhas fora do lençol branco se debatiam como se estivessem brincando com o vento.
Ficamos assustadas com o que estávamos vendo.
Como chovia muito, não havia ninguém na rua naquela hora. Nós duas éramos as únicas pessoas na pracinha.
Imediatamente Esmeralda tirou sua blusa de frio, pegou aquele serzinho indefeso, embrulhou feito um pacote e segurou em seus braços com todo cuidado enquanto voltávamos para casa.
Até então, não sabíamos se era menino ou menina.


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Quando chegamos, de imediato Esmeralda providenciou um banho quente. Tirou o macacãozinho que a protegia. Vimos, então, que era uma menininha. Esmeralda logo a chamou de Beatriz.
Então veio a preocupação, pois deveríamos ter chamado a policia, mas no momento de tanta emoção, só queríamos logo agasalhar e protegê-la do frio que sentia.
Depois do banho, colocou uma roupinha cor de rosa que ela guardara de quando Carol ainda era bebê. Preparou uma mamadeira que, esfomeada, você mamou rapidamente.
E com aquele ‘serzinho’ tão pequeno e frágil em seus braços, chamou Sr. Arlindo que estava distraído ainda em seu quarto. Assustado com o que via de início, Sr. Arlindo a aconselhou a levá-la até a autoridade da cidade, mas tão grande era seu encanto e afeto que Esmeralda se recusou a fazer isso.
Tão pequenina e tão frágil. Parecia ter acabado de nascer. Com pouco cabelo, gordinha e pele rosada. Olhos negros que brilhavam com uma expressão de pedido de socorro”.
Izabel, vendo as lágrimas rolarem nos olhos das três que se abraçavam, deu uma pausa...
Que pena que nem Sr. Arlindo nem Dona Esmeralda estivessem ali para ver a reação de Bia que ouvia atentamente a tudo o que Izabel estava a dizer. Acreditavam em cada palavra que ela pronunciava. Não tinham dúvida. A verdade estava sendo esclarecida. O segredo estava sendo revelado. O coração de Izabel estava tranquilo, pois estava a contar tudo que ela havia guardado por tanto tempo.


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Bia respirava fundo e dizia:
− Continue Izabel, fale mais.
A curiosidade se misturava com a emoção. Queria saber mais sobre sua vida. Sentia necessidade disso.
Bia segurava e apertava a mão das irmãs como se não quisesse soltar nunca mais.
Izabel, com muito mais calma, continuava a falar pausadamente, fazendo todas entenderem tudo que havia acontecido. Estava muito feliz, pois sentia que Bia aceitava bem saber a sua história.
E continuava a falar...
“Sr. Arlindo tentou por várias vezes convencer Esmeralda a entregar você, mas ela não aceitava.
Naquele mesmo dia me fez jurar por meus quatro filhos que não contaria essa história a ninguém enquanto vida ela tivesse.
E se um dia ela resolvesse contar, só iria fazer isso no ultimo minuto de sua vida.
Sr. Arlindo, por sua vez, aceitou tudo por amor a sua esposa.”
Izabel, frente a frente com Bia, contando a história de sua vida, sentia até um certo alivio. E continuava falando tudo que sabia:
− Você foi muito amada e bem cuidada por Esmeralda como se fosse sua verdadeira filha. Para ela, você sempre foi sangue do seu sangue. Não havia diferença. O amor que ela sentia por você superava qualquer coisa que acontecesse.


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Depois de Izabel relatar tudo que só ela sabia, Bia levantou com uma expressão sombria em seu rosto, abraçou as irmãs e num tom carinhoso, mas com a voz muito trêmula, falou:
− Minhas queridas irmãs. Depois de tudo que ouvi. Depois de tudo que vivi. Depois de tantas coisas. Só me resta dizer que...
Por fim fez uma pausa e olhou com carinho nos olhos das irmãs e de Izabel. E acrescentou.
− Mais vale ter sido adotada por uma família que me ama de verdade, do que ter sido criada em um lar cheio de maldades e discórdias. Hoje e sempre, soube que mãe é quem cria e cuida com amor e carinho e não quem carrega no ventre durante nove meses e depois joga fora uma criança indefesa que precisa tanto de amor e cuidados. Pois quem tem o dom de gerar uma vida dentro de outra vida e não tem coragem de cuidar dessa nova vida que lhe foi entregue não merece jamais ser chamada de MÃE e nem tão pouco ter o privilégio de ter esse dom tão valioso. SER
MÃE.
Dúvidas, incertezas e perguntas invadiam-lhe a mente.
Naquela mesma noite, após ouvir toda história sobre sua adoção, Bia debruçada na janela do seu quarto, seu olhar de encontro a lua, ficou a refletir.
Quando uma nuvem passava e apagava o brilho da lua, por um instante pensava em sua mãe biológica, na razão porque a abandonara daquela maneira.
Será que existia razão? Não poderia ser de outra forma?
Se não tinha condições de lhe criar, que lhe entregasse a alguma pessoa conhecida ou a levasse em alguma instituição.


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Mas não existia razão, não existia um porquê.
Poderia não ter engravidado. Existem muitos meios para que isso não aconteça.
E, pensando no pé de bambu onde fora deixada, só queria que amanhecesse logo para ir até lá, pois até então sabia daquele pé de bambu na praça, mas nunca havia prestado atenção nele.
Perdida em seus pensamentos, ainda debruçada na janela, quando se deu conta, a lua já havia dado lugar ao sol. Tomou um banho, se arrumou e saiu. Foi até a praça e embaixo do pé de bambu sentou-se e chorou.
Chorou tudo que podia chorar. As lágrimas banhavam seu rosto. Muitos passavam e a viam ali a soluçar, alguns conhecidos se atreviam a perguntar o porquê de tantas lá-grimas. As lágrimas e os soluços respondiam por ela.
Seu pranto lhe calava a voz a ponto de não conseguir pronunciar nenhuma palavra.
Após já ter chorado muito, e entre tantos soluços e lágrimas ainda, foi quando um leve toque em seus cabelos a trouxe de volta à realidade. Suas lágrimas então deram lugar a um suspiro de alívio quando Izabel a acariciou, pediu que se levantasse e a levou para casa apoiada em seu braço.
Izabel entendia a sua dor, que só não se tornou maior porque fora muito amada por todos. Fora criada cercada de amor e carinho.
Após alguns dias, meio tristonha a pensar em sua história e sentindo muito a falta de sua mãe, Bia se interessou em procurar saber histórias de crianças abandonadas ou adotadas.
Logo foi se integrar a um grupo de senhoras que se dedicavam à parte social em um orfanato. Bia nunca havia


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se imaginado dentro de um orfanato com tantas crianças de várias raças que por um motivo ou outro estavam ali, sem pai e sem mãe, pois a única família que tinham eram as pessoas que cuidavam delas e estavam ali todos os dias. Por dentro Bia pensava: “Ainda bem que tenho uma família que me adotou e zelou por mim. Sou uma pessoa de muita sorte”.
Procurava saber com detalhes as histórias de cada um. Muitos nem sabiam o motivo pelo qual estavam no orfanato.
Queria muito saber se existia alguma criança que a mãe havia abandonado ou se simplesmente estavam ali porque seus pais não tiveram condições de cuidar, ou se estavam lá por outro motivo qualquer à espera de um lar, na esperança de uma família que lhes desse amor e carinho.
Ajudava a cuidar de todos com tanta ternura que ela mesma não sabia que tinha tanto amor para dar. Cada rostinho que olhava se imaginava nele quando criança.
Não demorou muito quando um casal apareceu para retirar uma menina que haviam adotado. Menina de três anos de nome Joana, que por muitas vezes se achava parecida com ela. Logo ficou sabendo que a mãe de Joana a colocou em um saco de lixo e a jogou na lixeira quando acabara de nascer.
Ficou estática a pensar. Com certeza a mãe dessa criança a colocou no lixo com a intenção de que ninguém a encontrasse mesmo e que ela não teria sobrevivido se não fosse o lixeiro muito atento que, sentindo que havia algo estranho se mexendo dentro do saco de lixo, a encontrou.
E pensando na história de Joana e na sua, notou que havia uma semelhança e uma diferença. As duas foram


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abandonadas logo que nasceram. A mãe de Joana queria que ninguém a encontrasse e ali fosse o fim de sua existência que mal acabara de vir ao mundo. A sua mãe, por outro lado, a deixou naquela caixa embaixo do bambuzal, na certeza de que alguém a encontraria. Seu coração pulsava forte e acelerado ao pensar em todas essas coisas e comparar uma história a outra. Duas histórias parecidas como muitas que não deveriam existir. Tantos erros que jamais deveriam ser cometidos. Existem muitos meios para não se cometer esses delitos.
Mas o que é possível fazer, se cada um pensa diferente? As pessoas que cometem esses delitos são desprovidas de qualquer tipo de sentimento.
Apenas sentimos e sofremos com muitas coisas que acontecem e não podemos resolver. Como explicar atos de pura frieza e covardia? Não existe explicação.
Enquanto seres humanos cometem essas barbaridades, vemos, por outro lado, animais que salvam seus filhotes às custas da própria vida.
Diante de muitas histórias que ouvia por várias vezes, Bia repetia uma frase que cabe bem a essas pessoas despro-vidas de sentimentos.
“Diante de tudo que vejo, cada vez acredito mais que quem deveria ser chamado de animal eram os seres humanos”.
Repetindo isso, fazia sempre um esforço para não chorar.
Mil pensamentos invadiam sua mente, que se misturavam com boas lembranças de sua mãe adotiva, Dona


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Esmeralda. Só tinha a agradecer tudo que lhe fizera. Todo amor e carinho que recebeu.
Já com seus dezoito anos de idade, continuava com sua ação social no orfanato. Cada dia ouvia as mais diferentes histórias. Crianças abandonadas e outras que estavam ali por maus tratos, mas com uma só esperança. Aguardando uma família que as adotassem e as amassem de verdade.
Tudo isso estava ajudando Bia a controlar sua rebeldia e sua inquietude. Diante de tanto amor e carinho que em toda sua vida recebeu de sua mãe e pai adotivos, agora tinha certeza em dizer. Não existem pais adotivos e nem filhos de criação. Existem, sim, pais feitos de amor, de carinho e de bondade. Também não existem filhos adotivos e, sim, filhos abençoados por Deus, filhos do coração como são os corações de todos os pais que dão essa lição de vida.
Aquelas crianças transmitiam uma paz e uma inocência tão grande que enquanto estava ao lado delas era como se estivesse sendo transportada para um mundo encanta-do.
Não existia maldade naqueles rostinhos que a todo instante pediam colo ou queriam brincar.
Por muitas vezes desejaria que tivesse descoberto mais cedo a sua verdadeira história.
Quem sabe há mais tempo já estivesse ali nesse mundo encantado ajudando aquelas crianças tão carentes de amor. Tudo estava sendo muito gratificante, pois se sentia ajudada também.
Seu coração estava brando e em paz.
Quantas pessoas deveriam fazer isso! Às vezes pensam que vão ajudar, mais acabam sendo ajudadas.
Suas idas ao orfanato tornaram-se um hábito. Quan-


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do deixava de ir por algum motivo, sentia muita falta. Era uma forma de tentar entender melhor tudo o que lhe acontecera.
Alguns meses após a morte de dona Esmeralda, lembranças de quando ainda eram crianças continuavam vivas em sua mente, como quando ficava na ponta dos pés para beijar o rosto de sua mãe. Lembrava também das histórias que ela contava e dos conselhos que lhes dava. Tudo ainda estava muito presente.
Contudo, também, quando pensava em sua mãe biológica, sentia um sentimento estranho que tomava conta de todo o seu ser. Não sabia decifrá-lo. Seria raiva, ou simplesmente desprezo?
Desde que soube que foi adotada, quando via alguma senhora na rua ficava a imaginar. Seria sua mãe? Será ela?
Será que ela é assim?
Criava fisionomias em outras mulheres, pensando serem sua mãe biológica.
Sendo a cidade pequena, quem sabe logo a encontraria. A todos perguntava se há dezenove anos alguma mocinha engravidou e ninguém vira a criança. Começava então a pensar em uma maneira de investigar sua origem. Seria difícil descobrir algo, mas não seria impossível.
Começava a frequentar lugares diferentes, conhecer novas pessoas.
A todas as mulheres com mais idade que conhecia, logo se atrevia a perguntar se tinham filhos ou se sabiam de alguém que teve filhos mais não os criava. Como saber?
O que fazer para descobrir alguma coisa?
Às vezes se tornava até inconveniente com tantas perguntas. Mas logo explicava o porquê delas.


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Não sentia amor por sua mãe biológica, mas sentia o desejo de conhecê-la, de olhar dentro dos seus olhos e perguntar por que a abandonou. Saber se teve outros filhos, se os criou ou se também os abandonou. Uma confusão estava a se formar em sua mente. Às vezes sentia desejo de conhecê-la, ao mesmo tempo em que sentia dúvida e até receio de conhecer alguém que teve coragem de jogá-la fora enquanto deveria tê-la aconchegado de encontro ao peito e protegido. Não podia imaginar como uma mãe tivesse sido capaz de uma monstruosidade dessa.
Seu tempo era preenchido tornando-se membro dessa ação social no orfanato e em investigar por si só a sua origem.
Após a morte de dona Esmeralda, Carol e Bia ficaram morando na mesma casa onde só as lembranças da mãe lhes faziam companhia.
          Naquela manhã, os primeiros raios de sol entravam pela janela do quarto. Distraída em seus pensamentos, de repente algo chamou a atenção de Bia. Um pássaro entra no quarto e sai rapidamente, pousando no galho de uma árvore que havia em frente à janela do quarto. Cantava sem parar, parecendo mesmo que queria lhe chamar a atenção. E foi assim. Nunca tinha reparado bem nele, mas todas as manhãs esse pássaro estava ali a cantar. Só agora parou para ouvir o seu lindo canto. Voando pra lá e pra cá, cantando com tanta intensidade que parecia até querer falar com ela. Intrigada com o pássaro, chamou a irmã.
− Carol! Veja este pássaro que lindo!
− Todos os dias ele está aí, mas hoje ele quer chamar a sua atenção. − comenta Carol com a irmã. E, ouvindo o canto do pássaro, começou os seus afazeres, muito mais feliz.


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Bia, ainda intrigada com seu canto, ficou por mais algum tempo a observar. Nesse momento, pensava em tudo que lhe havia acontecido, seus olhos se enchem de lágrimas e molham seu rosto. Com seus olhos embaçados pelas lágrimas, não estava enxergando mais o pássaro.
Num instante não ouvia mais seu canto e tudo ficou em silêncio. O silêncio repentino a deixou com um nó na garganta.
Depois de um silêncio prolongado, Bia fala.
− O que estaria ele fazendo ali tanto tempo? E por que se calou?
Já fazia alguns minutos que Carol havia saído dali e Bia nem percebeu que estava sozinha no quarto e continuava falando.
− Que canto lindo! Nunca ouvi nada igual.
Carol volta ao quarto e vê Bia ali, imóvel, ainda falando sozinha.
Preocupada com a irmã, Carol fala:
− Não se deixe impressionar com isso, minha irmã. O canto dos pássaros só nos faz bem.
Depois de um suspiro prolongado, Bia abraça a irmã e sai. Logo, Carol ouve o barulho da porta da sala se fechando. Bia vai até a árvore e fica a observar todos os galhos tentando enxergar o pássaro. Naquele momento, a impressão que teve foi de que uma brisa soprava entre as folhas.
Por fim, não vendo o pássaro, sorriu e saiu.


                                                                                ***

         Alguns meses após a morte da mãe, numa tarde de muito sol e calor, Carol, sentada na varanda de sua casa, de longe avista alguém vindo de bicicleta em sua direção. Ficou surpresa com a presença de Douglas, pois há tempo não o via. Assustada ainda, o convida para entrar.
Douglas, que era apaixonado por Carol, já havia voltado da sua missão. Após alguns minutos de conversa e não encontrando palavras que expressassem seu sentimento, apenas olhou muito rápido para Carol e falou sem rodeios.
− Você quer namorar comigo?
Ao ouvir a palavra “namorar”, Carol estremeceu. Estava ela a despertar de um sonho? E, fitando os olhos azuis de Douglas, percebeu a timidez em seu olhar. Por um instante, Carol ficou a pensar que atitude tomar diante daquele pedido de namoro tão inesperado e, ao ver a expressão no rosto de Douglas que estava ali declarando seu amor por ela, mesmo não sabendo o que dizer, olhou para ele e sentiu que seu coração se enchia de um sentimento que ela nunca havia sentido. Douglas baixa os olhos e fala meio sem jeito:
− Esperarei por você por toda minha vida, mas quero que você esteja certa disso. E então, posso esperar? − Douglas faz a pergunta e se afasta.
Carol por um instante olhou para Bia que até aquele momento não havia se pronunciado, mas bastou um simples balançar afirmativo de cabeça que Bia fez para que Carol tivesse a sua resposta imediatamente.
Carol nunca havia se interessado por ninguém e naquele momento falou:
− Sim Douglas, nós vamos conversar.
Agora sem a presença da mãe, que lhe fazia muita falta, até que a companhia de Douglas lhe trazia certa segurança. Não havia ali na região nenhum rapaz que a encantasse, pensava Carol sem comentar nada. Além do mais,


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           Douglas é um rapaz bonito e inteligente. Seria bobagem sua se não aceitasse namorá-lo.
Tão grande foi a satisfação de Douglas em ouvir a resposta afirmativa de Carol que seu olhar se envolveu de um imenso brilho. E ele, deslumbrado com a afeição de Carol, tomou-lhe as mãos, segurou forte e beijou-lhe a face com todo carinho e respeito.
Douglas pouco falava e olhava fixamente nos olhos de Carol que se sentia hipnotizada. Ele precisava abraçá-la. Sentia vontade de dizer-lhe muitas coisas que estava sentindo, mas a timidez o impedia.
Por alguns meses, Douglas e Carol namoraram e, logo depois, se casaram.
Consequentemente, após o casamento de Carol, Bia moraria sozinha.
Eloísa, ficando preocupada com a irmã, conversa com Jonas e combinam que Bia fosse morar com eles em Ser-rana, afinal, Eloísa com duas crianças, até que Bia poderia ajudá-la muito.
Depois de saber sua verdadeira história, Bia havia mudado muito seu jeito de ser. Ficou mais calma e carinhosa. Sempre se pegava pensando. “Oh! Mãe querida! “Precisava tanto dela agora para falar o quanto a amava”.
A pergunta que nunca queria calar era: “Por que não me contou a verdade antes, ainda quando eu era criança? Assim teria tempo de falar do meu amor e de agradecer tudo que me fez. Agora era tarde para falar tudo que estava dentro do seu peito”.
Tivera tanto tempo para falar e se calara. Por isso, nunca se cale, fale tudo que tiver vontade enquanto há tempo.
Agora Bia se sentia triste por não ter falado que a ama-


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va muito. Ao invés de agradecer e darlhe carinho, quantas vezes sua rebeldia a deixara triste. O remorso lhe tocava o coração por não ter demonstrado o quanto a amava, o quanto ela era importante.
Por quantas noites a insônia era sua companhia. Os pensamentos e angustias lhe torturavam, pois desde que foi acolhida por Dona Esmeralda só recebeu carinho e amor.
Entre suas angustias, às vezes pensava como seria sua verdadeira mãe. E por que a abandonou daquele jeito tão cruel. Poderia ter procurado alguém que quisesse uma criança, pois quantas mulheres lutam para ter um filho. Muitas gastam fortunas fazendo tratamento para engravi-dar, não conseguem e partem para adoção, que é um processo lento e de muita burocracia.
Tudo isso fazia Bia entender cada vez mais que tudo dali em diante valia muito a pena, que a vida é muito maravilhosa. Ainda mais quando se é cercada de pessoas boas que lhe ensinam o que é o amor.
            O convite de ir morar com Eloísa foi aceito com muito bom gosto. Ficou muito feliz. Trataram de arrumar tudo para que Bia mudasse para Serrana.
Mais próxima da irmã, Bia se sentia protegida.
Em pouco tempo já estava acostumada à rotina da casa de Eloísa. Diferente da sua, Bia estava em uma casa cheia de bons móveis e com empregada para a limpeza de tudo. Sua ocupação era ajudar Eloísa com as crianças.


                                                                         ***

              Passado algum tempo e Eloísa sentia algo de anormal que não sabia o que era. Alguma coisa estranha que ela ig-


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norava. Precisava ficar mais atenta. Sempre que Jonas chegava, Bia era a primeira a ir até o portão recebê-lo. Já havia ouvido uma conversa entre os dois, Jonas falando para Bia:
− Você vai se casar algum dia. Vai encontrar uma boa pessoa e tenho certeza de que essa pessoa vai te pedir em casamento.
Eloísa percebe que Bia não queria mais falar com Jonas sobre isso e vira para outro lado com um olhar fixo em Eloísa, fazendo com que ela tentasse imaginar o que ela estava pensando.
Para agravar ainda mais a situação, uma vaga desconfiança ao observar os dois na hora do jantar.
Bia chega apressada e, antes de sentar, murmura alguma coisa no ouvido de Jonas. Isso causou uma grande surpresa para Eloísa.
O olhar de Bia a fisionomia de Jonas também demonstravam que havia algo que ela desconhecia.
No silêncio daquela noite, ainda postos à mesa após o jantar, quase que podia ler os pensamentos dos dois. Apesar de Bia e Jonas disfarçarem e do esforço que faziam para que ela não percebesse nada, Eloísa sentia que algo estava acontecendo. E ia ficando tensa a cada segundo que passava.
Esta tensão aumentava e Eloísa estava a ponto de perder a calma.
No ímpeto desta tensão nervosa, tentou se afastar e ir até seu quarto. Subindo a escada lentamente, degrau por degrau, tentava controlar seu coração que batia acelerado a ponto de sair pela boca.
Naquele instante, Bia falava sem parar e também se retirava da sala de jantar, enquanto Jonas ficava ali sozinho, cabisbaixo, a pensar.


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Eloísa, já em seu quarto, tentava se acalmar. Muito inconvenientemente, Bia bate na porta e fala com cinismo.
− Oi, se não for lhe causar muito incomodo, posso entrar?
− Não me incomoda em absolutamente nada. − dizia Eloísa, cuja voz estava trêmula de tanto nervoso.
Mesmo assim dirigia uma pergunta a Bia.
− Por que razão você não tirou os olhos do meu marido durante todo o jantar?
Bia encarando a irmã responde com ironia.
− Ah! Querida, ele que não tirava os olhos de mim. Só agora você percebeu isso?
A respiração de Eloísa ofegava, seus olhos escuros se fixavam em Bia com uma frigidez impressionante.
− Você está me deixando nervosa Bia. Não gosto que você fale desta maneira comigo, pois conheço muito bem o meu marido.
Bia, vendo que Eloísa estava muito nervosa, ainda continuava falando.
− Acho que eu conheço seu marido muito melhor que você.
Eloísa sentia que a perspectiva de uma discussão estava a surgir, mas levantou o ânimo e, fingindo desaparecer imediatamente todo o seu nervosismo, encarou Bia que de má vontade se retirou.
Eloísa encosta a porta do quarto, jogase na cama e começa chorar como se ela se acusasse e se responsabilizasse pelo que estava acontecendo.
Um silêncio enchia seu quarto e ela indignada de não haver notado nada antes. Eloísa não queria acreditar no que estava a imaginar. Seria possível, Jonas, o homem que


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ela tanto ama, seu marido, e Bia, sua irmã, estarem tendo um caso?
Em um instante vieram as lembranças de quantas vezes Jonas demorava a voltar para casa e dava desculpas de que ainda tinha pacientes para atender no consultório. Nesses mesmos dias em que Jonas dava essas desculpas, Bia também estava ausente de casa.
Isto já vinha acontecendo há algum tempo e jamais passou pela sua cabeça que estava havendo algo entre os dois, pois confiava plenamente em Jonas.
Só agora estava dando conta do que estava se passando. Eloísa se enganava.
Amava tanto Jonas que não se dava conta de que alguma coisa lhe faltava.
Vendo Jonas entrar no quarto, Eloísa tentou levantar com o coração trespassado de dor.
Jonas tocou-lhe o braço, tentando dar uma explicação, mas Eloísa não podia fugir da pura realidade que estava diante dos seus olhos e só agora ela enxergava.
Jonas suspirava vendo o sofrimento de Eloísa que, ro-deando as palavras, falava em separação diante desse desrespeito. Separação que Jonas não aceitava e mudava de assunto tentando pedir desculpas.
− Não! Não é hora de falar em separação. Vamos conversar. Me perdoe! Bia foi uma tentação dentro de nossa casa e eu fui um fraco por cair em suas provocações.
Você não merece sofrer. Você é a mulher que eu amo.
Isso tudo vai passar. Amanhã será outro dia.
Eloísa deixava as lágrimas molharem seu rosto enquanto estava ouvindo seu marido confirmar tudo e ao mesmo tempo pedir perdão.


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Então realmente era verdade tudo que ela estava a imaginar.
Por um momento, uma fúria invadia o ser de Eloísa. Pela primeira vez em toda sua vida sentia um sentimento tão ruim.
Olhava Jonas com desprezo e sentia uma imensa vontade de gritar. Seu coração estava tão acelerado de revolta que parecia querer arrebentar-lhe o peito. Procurou respirar fundo. Pela primeira vez lamentou estar ali frente a Jonas. E para disfarçar a vontade de esganá-lo, retirou-se do quarto batendo a porta com toda raiva que estava sentindo. Desceu as escadas tão depressa que chegando lá embaixo achou que ia desmaiar. Apoiando-se no sofá, sentou-se e por um momento sentiu um calafrio em todo seu corpo. O pulsar do seu coração pouco a pouco ia se regularizando, mas a expressão em seu rosto era uma mistura de nojo e revolta enquanto tentava encontrar uma palavra para descrever a irmã e o marido.
Jonas desce as escadas e aproxima-se de Eloísa que, imóvel, sentada no sofá, sequer olha para ele.
Mas agora era preciso manter o equilíbrio.
Não querendo ficar na companhia de Jonas levanta-se e sobe para o quarto.
Procurou dominar seu equilíbrio e, da janela do seu quarto, observava a escuridão da noite lá fora.
Um profundo silêncio invadia toda a casa como se tudo tivesse adormecido junto com as crianças.
No vazio do seu quarto e no escuro da noite, mordia os lábios de raiva.
Por muito tempo ficou ali debruçada observando o nada, pensando que atitude tomar em relação aos dois.


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Contudo, tentava manter o equilíbrio e, quando estivesse de cabeça fria, conversaria com o esposo.
Jonas, tendo consciência de sua culpa, fica na sala e não tenta se aproximar de Eloísa. Não era hora de conversar.
Quem menos se impressionava com a dor de Eloísa era Bia que, nesse instante, descia correndo a escada que passava no corredor do quarto, onde Eloísa estava.
Não se importando com o sofrimento da irmã, Bia ainda dava gargalhada.
Eloísa sentia vontade de expulsá-la de sua casa. Exis-tiam coisas que Eloísa ainda não entendia.
Bia tinha um comportamento totalmente diferente do seu. Eloísa não conseguia compreender como Bia havia seduzido Jonas.
Sua dor era insuportável. Nesse momento, sentia seu coração pulsar rápido a ponto de sufocá-la.
Jonas tinha certeza de que amava muito Eloísa e não entendia porque havia se deixado levar pelos caprichos de Bia.
Só queria que Eloísa o perdoasse. Tentava se redimir do grande erro que havia cometido. Arrependido por saber que era o único culpado de tudo que aconteceu, tentava compreender toda a revolta que Eloísa estava sentindo. Não queria perder sua esposa. Tinha dois lindos filhos e uma maravilhosa família que estava a ponto de ser destruída por causa de uma ilusão boba.
Eloísa atira-se na cama. Seu coração agoniado parecia crescer e tomar-lhe todo o seu peito. Palpitava descompassadamente.
Nessa mesma noite, Jonas aproxima-se da cama procurando confortá-la.


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Um arrependimento terrível tomou conta de todo o corpo de Jonas. Então chorou. Chorou até se esgotarem todas as lágrimas. E, retirando-se do quarto, deixou ali Eloísa, que estava a soluçar sem pronunciar uma palavra.
Estarrecida com tudo que estava passando, seu desejo naquele instante era de mandar os dois embora de casa. Mas se continha. Tentava manter o equilíbrio, mesmo com o sangue pulsando em suas veias.
Seria melhor deixar o dia amanhecer para conversar com mais calma com os dois. Ainda calada, deixou que Jonas se retirasse do quarto.
Durante dois anos Bia morava com ela e há quanto tempo eles estavam tendo um caso? Não sabia.
Á noite, rolava na cama a pensar que atitude tomar diante dessa situação. O que falar para Bia e Jonas?
Deixando apenas uma pequena fresta, encostou a porta do seu quarto, enquanto procurava acalmar seu coração.
Não conseguindo dormir, ficava a pensar no quanto amava Jonas. Amava tudo nele, mas não compreendia por que fez isso com ela.
Vestiu seu pijama cor de rosa e, procurando uma posição confortável, encostou sua cabeça no travesseiro. Pela primeira vez depois de casada passava a noite sozinha em sua cama.
Jonas tentava dormir no sofá na sala, mas não conseguia e assim viu o raiar do dia.
Logo ao amanhecer, Eloísa senta-se na cama esfregando os olhos tentando recompor-se de uma noite de insônia, enquanto seu coração ainda estava dolorido pelos acontecimentos da noite.
Antes dos primeiros raios de sol, antes mesmo das


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crianças acordarem, bateu na porta do quarto de Bia. A porta estava encostada. Eloísa entra sem pedir licença. Mas tão grande foi sua surpresa em não ver Bia em sua cama.
Por um instante, imaginou que Bia estava na cozinha ou no jardim como costumeiramente fazia. Acordava e ia ao jardim observar as flores.
Eloísa desce a escada, vai até o jardim, mas Bia não está lá. Observa que as folhas das plantas conservavam ainda o orvalho da noite. Bia realmente não estava em casa. Onde estaria?
Eloísa, já preocupada, volta para seu quarto empurrando a porta que estava entreaberta e assusta-se ao ver Jonas sentado na cama. Os olhos com olheiras profundas. Sua fisionomia era a pior que havia visto desde que o conheceu.
− Sente-se aqui. − disse Jonas olhando para Eloísa e segurando sua mão.
Eloísa senta-se e, sem falar nada, sente seu coração bater mais acelerado que nunca.
Jonas, olhando para a esposa, percebe que ela está ressentida com tudo que acabou de descobrir. Meio sem jeito ainda fala, acariciando os cabelos de Eloísa, diz:
− Querida! Sei que você está muito magoada. Reco-nheço que errei. Amo-a muito e não quero perdê-la. Temos muito que conversar.
Naquele instante, Jonas percebe que havia nos olhos de Eloísa um brilho estranho como ele nunca tinha visto.
No lugar da serenidade no olhar de Eloísa agora havia uma nuvem de lágrima, angústia e dor, pois Eloísa já es-tava a ponto de gritar. Seu grito estava preso na garganta.
Já havia ficado calada a noite inteira e uma noite era muito tempo para quem precisa desabafar. Ergueu a cabeça e olhando no fundo dos olhos de Jonas, fala alto e em bom som sem gaguejar.
− Dr. Jonas, por favor, não fale mais nada. Vá para o seu consultório. Não pode ficar aqui tanto tempo tentando aliviar a dor que você me causou se há tantas pessoas que precisam de você e já estão lá a lhe esperar. As lágrimas que meu coração chora e a dor que ele está sentindo só o tempo pode curar. Qualquer coisa que me falar agora só vai me causar mais dor.
Diante disso, sem responder nada, Jonas vira as costas e sai do quarto de cabeça baixa, sem olhar para trás.
Mesmo com seu coração banhado em lágrimas, Eloísa ainda assim fica preocupada com a irmã que não estava em casa.
Bia havia ficado acordada durante a noite estudando os planos a serem executados no dia seguinte. Logo cedinho, mesmo antes de clarear o dia, vestiu uma roupa confortável, colocou duas blusas, duas calças e um chinelo em uma mochila e saiu de mansinho sem que ninguém percebesse.
Mas nessa manhã, cheia de ansiedade e revolta, Eloísa ainda a pensar, retorna até o quarto de Bia e, ao arrumar sua cama, percebe embaixo do travesseiro uma folha de papel com várias dobraduras. Por um instante sentiu receio de desdobrar aquela folha de papel. Relutou antes, olhava e pensava. Sabia que mais cedo ou mais tarde teria de fazer isso. Esperou um pouco mais e, por fim, resolveu desdobrar a folha.
Nem por um momento imaginou o que estava escrito, mas logo seus olhos encheram-se de lágrimas ao ler as primeiras palavras que diziam:


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“Minha querida irmã. Nem ontem, nem hoje, nem amanhã, poderia ocupar o seu lugar. Peço-lhe que me perdoe! Eu não tinha ideia de que isso iria magoá-la tanto. Hoje, depois de tudo que vi, não duvido mais. Infelizmente aconteceu.
Obrigada por tudo.
Provavelmente você está muito zangada comigo. Prefiro ir embora, não sei para onde, do que encará-la depois de tudo o que fiz.
Não se preocupe comigo.
Um dia quem sabe que estarei de volta. Não sei quando, mas voltarei. Adeus.
Beatriz.”
Eloísa já estava lendo em voz alta tentando entender o que Bia queria dizer. Respirou fundo, enxugou uma lágri-ma, tentou conter o nervosismo. Para entender melhor o que Bia quis dizer, leu novamente.
Quando acabou de ler sentiu um nó na garganta. Dobrou o papel e o segurou apertando-o na mão. Nervosa em meio àquelas palavras de Bia, Eloísa sentou-se na cama para pensar melhor no que ia fazer.
Não queria avisar Jonas por enquanto e tentou controlar a ansiedade até conversar com Carol. Tão logo as crianças acordassem, iria até a casa de Carol para conversar e decidir o que iriam fazer.
Contudo, estava muito preocupada com Bia. Não sa-bia que rumo a irmã teria tomado. Ou seria mais uma das suas peraltices?


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Por fim, saiu do quarto de Bia, desceu as escadas e foi até o jardim ainda na esperança de que Bia estivesse ali.
Por volta das onze horas, já estava com Carol a procurar de Bia. Perguntava para um e para outro. Nenhuma notícia de Bia. Não tinham ideia de para onde ela teria ido. Eloísa e Carol precisavam desesperadamente encontrar a irmã. Por onde começar? Era fato. Bia realmente havia desaparecido.
Estaria Eloísa vivendo um pesadelo? Mas era a pura realidade. Contudo, Eloísa ainda se culpava pelo desaparecimento de Bia.
Receava o que teria de enfrentar dali por diante.
Ainda se perguntava com lágrimas nos olhos: “Oh!
Meu Deus, para onde Bia teria ido?”
Izabel, que já estava ali, tentava acalmar Carol e Eloísa.
− Esperem! Sejam pacientes. Quem sabe hoje mesmo ela volte para casa.
− Não, ela não vai voltar eu sei. − Eloísa fala.
Tirou aquele papel de sua bolsa e pediu para Izabel ler o que Bia havia escrito.
Izabel lia o bilhete, mas não entendia nada o que Bia estava a dizer com aquelas palavras.
Pouco a pouco, Eloísa explica tudo e Izabel, que não sabia dos detalhes, fica a par da situação.
Izabel tenta não encarar Eloísa, abaixa a cabeça e pensa: “É isso que a consciência pesada faz. Ao invés de encarar e resolver o problema cria outro, tentando encontrar um culpado”.
Com toda sua experiência, Izabel aprendeu ao longo de sua vida que “as pessoas não mudam, apenas conseguem ser melhores ou piores naquilo que já são”.


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          Depois de pensar assim, Izabel levanta a cabeça olha para Eloísa e tenta consolá-la.
Depois de uma espera angustiante e sem notícias, Eloísa conta para Jonas sobre Bia.
Somente à tarde, depois de um dia de muita procura em toda a cidade é que Izabel, Eloísa e Carol foram até a Delegacia falar sobre o desaparecimento.
Enquanto todos estavam preocupados com Bia, ela ainda estava caminhando sem destino, com sua mochila nas costas, andando em uma estrada que estava em construção. Vez em quando parava e sentava para descansar em alguma sombra de árvore e, ali, por algum momento, ficava a pensar em tudo que já fez, em tudo que deixou de fazer e ainda o que iria fazer dali pra frente. Com fome e sede. Seus pés doíam a ponto de já não mais conseguir andar. Mas não passava pela sua cabeça desistir de sua caminhada. Em momento algum pensou em voltar atrás. Nunca, em toda sua vida, estivera tão longe de casa sozinha àquela hora.
O sol já estava se escondendo atrás da serra. Já era quase noite, quando avistou algumas barracas de alojamentos. Se aproximou receosa. Um grande mal estar toma conta de Bia. Seus olhos por um momento ficaram turvos e quase não enxergava. Logo um jovem rapaz veio a seu encontro.
Muito atenciosamente, tira seu chapéu e a cumprimenta.
− Boa tarde, jovem! Muito prazer. Eu sou Carlos. E você, qual é o seu nome? O que está fazendo por aqui? Aonde vai sozinha essa hora?
− Opa! Quantas perguntas! − exclama Bia sem olhar para Carlos.


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E responde secamente, sem querer dar continuidade à conversa.
− Meu nome é Beatriz. Estou andando sem destino. Não sei pra onde estou indo. Em algum lugar chegarei. Por favor, pode me dar um copo d’água? − Bia pede sem olhar para Carlos.
Com toda educação e calma, Carlos atende ao pedido de Bia, que logo satisfaz a sua sede.
Logo, outros trabalhadores que se alojavam naqueles barracos vieram cumprimentá-la.
Carlos estava a trabalho, mas logo iria embora para sua cidade, pois o seu trabalho estava prestes a terminar.
Vendo que Bia estava realmente sem destino e não co-nhecia aquela estrada, Carlos a convida para ficar ali e a aconselha a não continuar sua caminhada, pois já estava anoitecendo. Não era comum alguém andar à noite por ali. Ainda mais uma jovem sozinha.
− Fique aqui! Já é tarde. Amanhã você pode continuar sua caminhada. Poderá chegar a sua casa ou em seu destino. Precisa comer alguma coisa.
− Não, não irei para casa. Continuarei meu caminho sem destino.
As respostas de Bia eram curtas e secas, mas Carlos insistia em perguntar:
− O que houve com você? O que posso fazer para aju-dá-la?
Bia, apesar do medo e da desconfiança, percebe que Carlos realmente estava tentando ajudá-la. Mas por que tanta preocupação se nem a conhecia!
− Não quero falar agora. Depois contarei toda minha história. − Bia responde com mais serenidade.


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Carlos estava preocupado ao ver uma jovem tão bonita, andando sozinha estrada afora.
Convidou Bia para entrar no barraco e logo lhe ofereceu algo para comer. Mostrando-se muito gentil, fala para Bia se acomodar em um banco.
Ainda meio sem jeito e receosa, Bia aceita o convite para entrar e sentar-se. Sentia-se muito cansada depois de um dia de caminhada. Seus pés já tinham algumas bolhas que doíam muito. Seu corpo suado estava necessitando de um banho.
Já era hora de todos pararem seus trabalhos na estrada e descansarem. Bia ficou imóvel quando viu vários ho-mens entrarem no barraco onde passavam as noites.
Por um momento, virou a cabeça, olhou para Carlos com os olhos arregalados e assustados sem saber o que di-zer.
O destino lhe pregara uma peça. Porque tinha de ser assim? Teria de sair dali o mais depressa possível encontrar algum lugar que pudesse se sentir segura. Mas o que fazer agora?
Por um instante pensava: “Tudo por minha culpa”. Mas nunca havia imaginado que fosse assim. Ali só havia homens. Sentiu-se amedrontada.
Ao ver a expressão de pavor no rosto de Bia, Carlos interrompe seus pensamentos.
− Em que está pensando? Não tenha medo! Ninguém lhe fará mal algum. Confie em mim.
− Está bem. − Bia responde e começa a chorar.
− Por que está chorando? − Carlos pergunta tentando secar as lágrimas que escoriam de seu rosto.
− Estou pensando no dia de amanhã. Quero sair logo
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cedo e seguir meu caminho. Preciso observar o mundo e a vida de uma forma diferente.
Carlos a adverte:
− Só vou deixar você seguir caminho se for voltar para sua casa. Não deixarei você seguir um caminho incerto. Por favor, conte-me o que aconteceu.
Parece que Carlos estava lendo os pensamentos de Bia.
Ficaram conversando tanto que quando se deram conta já passava da meia noite.
Fez-se um silêncio dentro do alojamento. Todos já estavam dormindo, tentando descansar depois de mais um dia de trabalho.
Só Carlos e Bia que ainda estavam a ouvir lá fora o zu-nido do vento que soprava nas folhas das árvores.
Para que Bia dormisse mais confortável, Carlos cedeu seu colchão para ela, enquanto ele acomodava-se no chão bem próximo ao lado dela.
− Durma bem! Não precisa ter medo. Você está em segurança. − falava Carlos, tentando acalmar Bia.
Bia tinha a sensação de sentir-se segura com a presença de Carlos. Mas mesmo assim, naquela noite sua mente vagava enquanto o sono não vinha.
Bia respirava fundo e fechava os olhos fingindo dor-mir, para que Carlos descansasse. Não conseguia dormir. Ouvia todos os ruídos ao seu redor.
No dia seguinte, bem cedo, todos levantaram e saíram para mais um dia de trabalho. Carlos ainda fica para conversar melhor com Bia. Por tudo que conversaram, sentia como já se a conhecesse há muito tempo.
Carlos, homem muito bonito e respeitador. Pele queimada pelo sol ardente de todos os dias de trabalho. Cabe-


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los escuros e lisos. Músculos fortes, estatura média. Parecia ter mais que seus quarenta anos. A sós com Bia naquele barraco, Carlos falava com muito carinho e mansidão.
− Então, me conta por que você está fugindo.
Bia chora e abre seu coração para Carlos que estava atento a ouvir cada palavra pronunciada por ela.
− Não vá embora menina! Espere que mais tarde a le-varei à sua casa.
− Já falei que não voltarei. Acho que você não entendeu. Eu já estou muito longe.
− O que vai fazer? Para onde vai?
− Não sei.
Sem pensar muito, Carlos ainda pergunta para Bia.
− Então, já que está sem destino, você gostaria de ir comigo para minha cidade? Na próxima semana irei embo-ra. Garanto-lhe que vou cuidar bem de você.
Ao ouvir isso, um soluço saltou-lhe da garganta como se as palavras de Carlos a tivessem tranqüilizado e ela tivesse encontrado seu caminho.
Com o coração aos pulos Bia achava naquela ideia a possibilidade de ir para muito longe. Rapidamente um plano se formou em sua mente. Iria para bem longe e nunca mais ninguém saberia dela.
Com os planos formados, aceitou o convite de Carlos, mesmo sem conhecê-lo.
Carlos, depois de ouvir toda história de Bia, sentiu um imenso desejo de protegê-la.
Ficando ali por mais de uma semana Bia sentia na pele a falta de uma família, mas não sentia desejo de voltar. Sua decisão estava tomada.
Ia chegando o dia de ir com Carlos sabe-se Deus praonde. Um lugar que ela não conhecia, mas Bia estava disposta a isso mesmo. Uma aventura que com certeza o final não sabia.
Em pouco tempo já confiava em Carlos, que lhe demonstrava muita compreensão e respeito.
Enfim, chegou o dia de seguir seu destino. Na rodoviária, os dois tomaram o ônibus com destino a Apucarana, cidade do estado do Paraná.
Bia achava melhor enfrentar o desconhecido nessa aventura do que encarar Eloísa.
Chegando a Apucarana, Carlos apresenta Bia a sua fa-mília que trata logo de acomodá-la.
Após alguns dias, aquele lugar distante e desconheci-do já não lhe era muito estranho. Estava sentindo-se tão bem que por várias vezes chegava a pensar que tudo aquilo era um sonho. Carlos apareceu em sua vida num momento em que ela precisava pensar em mudar. Sentia nele uma enorme confiança que nem ela mesma entendia o porquê.
Já havia feito muitas travessuras, deixando chateadas as pessoas que tanto a amavam e a protegiam.
Na ansiedade em que saiu de casa, levou apenas uma mochila com algumas peças de roupas e agora estava sentindo falta disso. Mas a bondade de Carlos não deixava Bia triste por falta de suas roupas e logo se propôs a levá-la em algumas lojas e comprar o que ela estava necessitando.
Bia sentia-se feliz e surpresa com tanta dedicação de Carlos e lembrou-se do dia em que o conheceu.
Estava sentindo-se tão bem ao lado dele que até ar-riscaria a dizer que mesmo que tivesse que andar descalça continuaria ali.
Observava com muita atenção e satisfação todo gesto


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dele. A doçura com que ele a tratava fazia Bia preferir continuar ali mesmo, por quanto tempo fosse necessário. E recebendo tanta atenção e carinho, não se dava conta que suas irmãs estivessem a sua procura.
Após alguns meses, já acostumados um ao outro, Car-los já estava a par de tudo que Bia havia feito com Eloísa. Sim, tudo, pois Bia sentiu obrigação de contar-lhe cada detalhe. Não queria ter segredos com ele.
Carlos, preocupado, tentava convencer Bia a mandar notícias para as irmãs, mas Bia continuava irredutível e não aceitava essa ideia.
− Você precisa mandar notícias para sua família. − falava Carlos insistentemente.
− Eu resolvi não mandar notícias nem visitar Eloísa. Nem agora, nem nunca mais. − Bia falava sem pensar no que estava a dizer.
Carlos ignorava a resposta de Bia, mas pensava. “Mais cedo ou mais tarde convencerei você, menina”. Tudo tem seu tempo. Amanhã será outro dia.
Muitas vezes, Carlos, com toda simplicidade que tinha, contava-lhe histórias de virtude, coragem, dedicação e amor. Contava também histórias dos lugares por onde andou, das pessoas que já havia conhecido, dos problemas que enfrentara. Tudo isso para tentar tirar a frieza do coração de Bia.
Carlos já se sentia enamorado por Bia e não se imaginava longe dela. Por um momento, a observava com um olhar sereno e doce que Bia já conhecia. E, acariciando seu rosto, Carlos suspirou profundamente e pediu para Bia casar-se com ele.
− Casar-me com você? − tão grande foi sua surpresa que Bia quase caiu de costas.
Ela jamais imaginou que alguém a pedisse em casamento. Mas como poderia dizer não a Carlos, se seu coração também já estava enamorado por ele?
− Então, aceita casar-se comigo? − a pergunta de Carlos mais uma vez fez Bia olhar dentro dos olhos dele e falar de imediato.
− Você quase me fez perder a respiração. Nem namoramos ainda! − exclamou Bia meio sem jeito − Eu já havia percebido que você sentia algo por mim, mas não imaginei que era tanto a ponto de querer casar-se comigo.
Os olhos de Carlos se iluminaram de prazer com a resposta. E, segurando as mãos de Bia antes que ela se desse conta do que estava acontecendo, fixou seu olhar no dela deixando-a encabulada. Tão radiante era o olhar de Carlos que transparecia sua simplicidade e sua meiguice. Nunca em sua vida Bia encontrou alguém que a olhasse daquele jeito.
Diante de tanto respeito e carinho Bia responde à pergunta de Carlos:
− Sim! Aceito casar com você.
Carlos se inclinou, segurou o queixo de Bia e a beijou demoradamente, deixando-a encabulada.
Carlos sorriu como se percebesse que Bia estava sem defesa contra seus beijos.
A princípio, Bia se sentiu desapontada com a atitude de Carlos, mas imediatamente se conteve e se entregou aos seus encantos. Afinal, ele sempre a respeitou desde que ela o acompanhou. Tinha um grande sentimento de gratidão por ele.
Desde que conheceu Carlos, sempre desejou saber da


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sua vida antes de conhecê-lo, mas não se arriscava a perguntar. Não queria cometer erros com uma pessoa tão es-pecial feito ele.
No entanto, ia observando tudo que estava acontecendo em sua volta.
Ao mesmo instante pensava. O que importa saber algo sobre ele, se até aquele momento sempre foi uma pes-soa tão especial em sua vida? E Carlos já havia lhe contado muitas historias.
Sentia-se feliz, pois agora tinha um homem que a amava. E uma mudança de ambiente estava lhe fazendo muito bem.
Naquela noite, depois de um pedido de casamento e de longos beijos, se imaginou adormecida nos braços de Carlos. Embalada por doces pensamentos que enchiam sua mente e seu coração, Bia sentiu-se relaxar depois de várias noites que não dormia direito. Com o coração cheio de bons pensamentos, adormeceu com a serenidade de uma menina e com um sorriso insinuando-se em seus lábios.
Após alguns meses ao lado de Carlos, cada manhã que acordava tinha a sensação de ser outra pessoa.
De fato havia mudado mais do que ela própria imaginava.
Muitas vezes ficava pensativa a lembrar das irmãs quecom certeza até aquele instante deveriam estar preocupa-das com seu desaparecimento.
Entre um pensamento e outro, um sentimento pro-fundo por suas irmãs tomava conta de todo seu ser e lembrava-se do quanto sua rebeldia fez mal para Eloísa. E com lágrimas nos olhos, sentia vontade de revê-las. Com dor na consciência, o remorso era maior do que se podia imaginar.


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− Meu Deus! Como fui insensata. Agora compreendo que errei muito. Tenho que ir logo pedir perdão a Eloísa.
Não estava mais suportando aquela angústia em seu peito. Precisava avisar que estava bem. E queria também saber sobre suas irmãs. A saudade já estava lhe tomando o peito.
O tempo passava e Eloísa ainda estava com o coração magoado e sofrendo muito por amar demais seu marido. E ainda estavam afastados um do outro.
Cada vez que se falavam, Eloisa não conseguia olhar nos olhos dele.
Depois de tudo que aconteceu, Jonas resolveu ir para a casa de seus pais. Quando saiu, despediu-se dos filhos e de Eloísa, que se esforçou para dominar as lágrimas.
Depois de alguns meses, Eloísa, debruçada na janela, apertava os olhos para espantar as lágrimas que teimavam em molharem seu rosto. Lembrava-se do dia em que o carro de Jonas se afastava levando junto consigo a dor de deixá-la.
Naquele dia em que a tarde chega, a claridade está desaparecendo e o por do sol já anuncia o anoitecer, Jonas não volta para casa, como fazia costumeiramente todas as tardes depois de um dia de trabalho.
As sombras das árvores já invadiam a varanda da casa, e Eloísa, olhando o jardim, parecia ver que as flores e as folhas também estavam tristes. Tudo estava nublado. Eloísa, ao observar aquela cena opaca, tenta esconder o rosto com as mãos esforçando-se para dominar sua angústia. O horário de Jonas voltar para casa, aquele cenário do sol se escondendo atrás da serra, as flores do jardim já esperando o sereno da noite que logo estava a chegar. Tudo isso a entristecia.


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      Do outro lado da cidade Jonas sentindo-se invadido por uma onda de tristeza e lembranças.
Como a rapidez de um relâmpago, seu pensamento ia e voltava para seu lar ao lado de Eloísa e dos filhos.
Não, não queria se separar de Eloísa. Só estava dando tempo ao tempo, até a mágoa dela passar. Eloísa é a mulher que ele tanto ama.
O tempo agora era do coração de Eloísa. Só o coração dela sabia o quanto duraria essa mágoa.
Ficariam assim afastados até Eloísa resolver perdoá-lo.
Jonas via os filhos sempre que podia, mas cada vez que olhava para Eloísa, sentia que seu amor por ela aumen-tava. Seu coração acelerava tanto que não mais cabia em seu peito.
Uma vontade imensa de abraçá-la e beijá-la loucamente invadiam seu ser toda vez que a via. Mas Eloísa se man-tinha distante.
Jonas sabia que Eloísa também o amava muito. E sofria sentindo a falta da esposa e dos filhos, também com o remorso por ter magoado o seu grande amor.
Eloísa, por outro lado sofrendo também, sentia a falta de seu marido. O homem que tanto ama. Estava tão perto e tão longe ao mesmo tempo.
Contudo, se tornava irredutível, mas sentia dentro de si que logo tinha de perdoar Jonas, pois ele lhe fazia muita falta. Sem a presença dele tudo se tornava vazio.
Agora era só incerteza. O silêncio lhe fazia companhia nas noites frias do seu quarto.
Na solidão das noites frias, passava-lhe pela cabeça que seria uma grande dor para sua mãe saber que Bia teve


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um caso com Jonas. Nesses momentos sentia falta da pre-sença materna que sempre estava pronta a apoiá-la e aconselhá-la.
Deitada em sua cama, onde caia uma réstia de luar, por um instante Eloísa ergue a cabeça e lembrou-se dos momentos felizes ao lado de Jonas. Deixou a porta entre aberta, procurava acalmar seu coração e tentava conciliar seu sono com suas lembranças.
Habitualmente, toda manhã Eloísa abria a janela do seu quarto espreguiçando-se e sentindo o perfume das flo-res do jardim. Mas naquelas manhãs sem Jonas não lhe importavam o perfume das flores, o azul do céu nem o bri-lho do sol que iluminava seu quarto pelas frestas da janela.
Turbilhões de sensações invadiam sua alma.
As lembranças do tempo em que conheceu Jonas, do seu noivado, do dia do casamento. O olhar terno de sua mãe. Os olhares dos convidados. O rosto de Bia com ar de deboche. A grande festa. Um sonho real que toda jovem ansiava e ela estava vivendo.
Sempre que anoitecia, entre tantas lembranças, ficava na solidão do seu quarto ainda pensando. Ah! Se houvesse alguém para consolá-la. Se sua mãe estivesse viva para poder desabafar e chorar em seu ombro. Não suportando mais o silencio da noite e a solidão após seus filhos adormecerem, levantou-se cuidadosamente e procurou no fundo da gaveta, embaixo das roupas, dentro de uma sacola plástica, a sua caixinha de música.
Ainda ansiosa com o silêncio e a solidão, saiu do seu quarto com a caixinha de música e foi até a sala de estar. Ligou a caixinha e, ao ouvir a música, se desmanchou em lágrimas. Pensava que ao ouvir aquela música pudesse as-


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sim se acalmar e afastar a ansiedade, mas ao contrário do que imaginava, a música lhe trouxera as lembranças de alguns anos atrás. Assim, a solidão se tornara mais dolorida. As lágrimas lhe molhavam a face. Ao som da melodia, já era madrugada quando adormeceu ali mesmo no sofá. Só despertou ao toque da campainha quando Izabel, que lhe ajudava nos afazeres da casa, chega.
        Izabel, que já fazia parte da família, era quem escutava seus lamentos. A única pessoa que tinha para desabafar. Izabel estava sempre de bom humor e de bem com a vida. Com suas risadas bem humoradas, tenta acalentar Eloísa. No meio de suas risadas, sentia certa pena de Eloísa, pois sabia de tudo que ela havia passado desde a sua infãncia até agora.
       O dia amanhecia nublado com ar de chuva. Ao longe se ouviam trovões e um arco-íris que enfeitava o céu com suas sete cores coloriam algumas nuvens escuras.
Da janela da sala dava para avistar uma grande área verde. Moravam em um lugar maravilhoso. Sua casa era muito confortável e tinha tudo que precisava. Mesmo afas-tado, Jonas mantinha tudo como se ainda estivesse ali. Na falta do nada, lhe faltava tudo, seu grande amor.
Eloísa só se sentia segura ao lado de Jonas. De que adiantava ter tudo e não ter Jonas ali para apertá-la em seus braços, como fazia sempre?
Voltou a seu quarto que antes fora cheio de amor e agora era invadido pela solidão.
Da janela do quarto, Eloísa observa as flores do jardim que exalavam um cheiro que lembrava o perfume de Jonas.
Tudo a fazia lembrar-se dele.
Ao se olhar no espelho e ver a expressão do seu ros-


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to, que estava muito triste, pensava. Tudo que vivi de real, hoje se transformou em solidão.
Num instante, a porta do quarto se abre e Janine entra e a chama:
− Mamãe! Quero ficar com você. − a voz inocente de Janine a fez voltar à realidade.
E, olhando para a filha, sentiu uma enorme vontade de chorar. Seu coração estava dilacerado.
Janine, com sua inocência, toca o rosto de Eloísa e com carinho pergunta:
− Mamãe, você está triste?
Com ar de ternura, Eloísa beija a filha e deixa cair uma lágrima, que rapidamente seca para Janine não perceber.
Como explicar a dor que sentia? A filha jamais entenderia.
O marido que ela tanto ama está ausente de casa. Nenhuma notícia da irmã.
A procura de Bia ainda continuava. Mas estava sendo em vão. Tudo estava confuso em sua mente.


                                                                               ***

    Naquela cidade distante, Bia novamente sentia saudade das irmãs. Lembrava-se daquela manhã em que saiu para não encarar Eloísa. Sentia-se covarde pelos atos come-tidos. Hoje, após mais de um ano sem dar notícias, estava com muita vontade de voltar a Serrana. Já tinha aprendido muito por esse mundo afora.
Às vezes pensava que não seria capaz de amar alguém de verdade, mas Carlos se aproximou e mexeu com seu co-ração. Fez com que ela enxergasse a vida de uma maneira diferente.


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        Muito atencioso, Carlos sempre a levava para passear em outras cidades. Com uma voz macia e calma, pouco a pouco ia conquistando o coração de Bia que nunca havia se enamorado por nenhum rapaz.
Como se fosse um anjo em sua vida, Carlos apareceu num momento inesperado e necessário. Quando tudo parecia ter fim, ele veio para recomeçar, não deixando o fim chegar.
Carlos fez Bia enxergar muitas coisas que seus olhos não conseguiam ver. O que aconteceu entre ela e Jonas foi mais um capricho da sua parte. Não tinha sentimento ne-nhum por ele.
Quando o remorso apertava seu peito, um calafrio lhe percorria a espinha e o arrependimento tomava conta de todo o seu ser.
Sua reputação já estava estraçalhada para sua irmã. E como será que Eloísa estaria agora, depois de seu desaparecimento?
Mas Eloísa casou-se com um homem que lhe amava muito, tinha dinheiro e cuidava bem dela.
E ao mesmo tempo pensava. “Dinheiro não é tudo, não compra a felicidade, nem o amor”. Com dinheiro ou não Eloísa e Jonas se amavam de verdade.
Depois de arrepender-se de todo o mal que havia feito a sua irmã, o primeiro pensamento que lhe veio foi de pro-funda gratidão por tudo que a família que a adotou tinha feito por ela. Ela tinha uma linda família que por seus caprichos havia abandonado.
Agora sentia necessidade de rever tudo isso.
Se quisesse ter paz de espírito precisava esquecer ou substituir a última lembrança de dor no rosto de Eloísa.


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       Além disso, precisava vê-la sorrindo novamente, como fazia antes. Queria abraçá-la e pedir-lhe perdão. Falar também que Jonas não foi totalmente culpado.
A maior parcela de culpa teria sido só dela por tantas vezes que provocara Jonas. Quantas vezes fora até seu consultório se insinuando até que ele tornou-se fraco às suas insinuações e provocações.
Por muitas vezes Jonas falava que a única mulher que amava era Eloísa. E ela ficava com inveja da irmã ter um marido que a amava tanto.
Por estar todos os dias ali dentro de casa acompanhando os movimentos dos dois, sentia-se muito enciumada.
Cada vez que via Jonas chegar com flores e beijar Eloísa como se fosse a primeira vez, seu corpo se apossava de um sentimento horrível que só ela sentia e não se atrevia a descrever.
Pensava em sua história, uma criança que fora jogada dentro de uma caixa de papelão pela mãe.
E hoje, mulher feita, muito amada pela família que a criou, seu sentimento só teria de ser de muita gratidão, de muito amor e bondade.
Deu-lhe uma ligeira vontade de ir até a casa de Eloísa se desculpar por tudo que lhe fez. Se precisasse se ajoelharia a seus pés e lhe pediria perdão. Além do mais, também tinha que avisar a família que estava bem, pois sabia que todos estavam ainda à sua procura e preocupados com ela.
Criando coragem, decidiu conversar com Carlos e falar tudo que estava sentindo. Por sua vez, Carlos, tentando ajudar Bia, resolve viajar com ela até Serrana. Não queria deixá-la sozinha neste momento. Tudo que Carlos pedia para Bia era que ela voltasse para a família e contasse aonde


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estava. E agora ela decidiu entender o que ele queria que ela fizesse.
Após dois dias de vigem, ainda dentro do ônibus que a conduzia até Serrana, falava consigo mesma:
− Eloísa, você precisa me perdoar.
Com certeza estava ensaiando o que iria falar.
Carlos sabia que Bia estava apreensiva e muito pensativa. Mas não se atrevia a atrapalhar seus pensamentos naquele momento.

                                                                               ***

        Numa surpresa inesperada, alguém bate a porta da casa de Eloísa, numa tarde fria, onde a neve cobria as plantas do jardim em frente à porta de entrada.
Viu ali, em sua frente, Bia, que lhe sorria através das lágrimas que embaçavam seus olhos. E sem entender nada, Eloísa tremia a ponto de temer não conseguir ficar em pé.
Ao ver a expressão no rosto de Bia, por um instante imaginou não ser verdade. “Será que estou imaginado coisas? Não! Não é possível! É um pesadelo. Acho que estou sonhando”.
Bia, jogando-se nos braços da irmã, gritava:
− Eloísa, irmã querida! Perdoe-me, por favor!
As duas sentiam-se trêmulas e deixavam que as lágrimas se misturassem de tanta emoção.
Bia, com um rubor no rosto, relembrava envergonha-da tudo que havia feito.
Em seu olhar suplicante encontrou os olhos negros e expressivos de Eloísa que brilhavam devido a tantas lágrimas.


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Eloísa nunca imaginara ver Bia assim.
Exageradamente humilde a lhe pedir perdão.
Um nó lhe apertava o coração que ia subindo pela garganta a formar uma bola que ao mesmo tempo se transformava em lágrimas.
E acariciando o rosto de Bia a abraça e fala, numa voz trêmula, balbuciando as palavras:
− Beatriz! Minha querida irmã! Se eu não a perdoar agora, daqui há algum tempo quem terá de pedir perdão sou eu, por não tê-la perdoado.
Aos soluços, seu coração batia acelerado. Sem disfarçar, suas mãos socorriam as lágrimas que insistiam em molhar seu rosto.
E olhando-se nos olhos, abraçaram-se novamente, deixando que as lágrimas se misturassem.
Bia tremia e soluçava tanto que Eloísa pediu para ela sentar e se acalmar, para depois conversarem melhor.
Não seria correto não perdoar Bia que estava ali em sua frente, diante dos seus olhos, absolutamente arrependida e muda a esperar o seu perdão.
− Não foi nada agradável, tudo que eu passei. Mas passou e as mágoas também passam. − dizia Eloísa olhando nos olhos de Bia.
A vida é representada por erros e acertos. Bia errou, errou muito, mas estava tentando acertar.
Tudo foi conversado e Eloísa estava tentando deixar seu coração limpo. Foram tomar um chá no terraço da casa onde as crianças estavam a brincar.
Depois de muita conversa, Eloísa avisou Carol que veio correndo abraçar a irmã. Estavam muito satisfeitas por ver Bia sã e salva depois de tanta procura sem notícias.


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       Por tudo que havia conversado com Bia, agora, para que seu coração se sentisse completamente limpo e sem mágoas, faltava perdoar Jonas de uma vez por todas.
Por quantas vezes Jonas havia lhe pedido perdão e demonstrado seu amor por ela. Ainda havia tempo para serem felizes.
Naquele momento em que Bia ainda pedia perdão para a irmã, ao mesmo tempo falava algo que deixava Eloísa com mais certeza do que tinha de fazer.
− Lembre-se, Eloísa, do quanto Jonas a ama. - Não perca mais tempo para ser feliz. A vida passa muito depressa.
O coração de Eloísa dispara ao ouvir essas palavras. Ainda mais vindo de Bia que estava ali em sua frente, viva e perfeita. E muito diferente de antes. Totalmente mudada. É claro que Eloísa iria perdoar Jonas. Afinal, já teve mui-to tempo para pensar em tudo e entender que os dois se amam de verdade.
No próximo final de semana Jonas viria para ver os filhos e então seria o momento para ela decidir tudo, pois o que faltava para ser completamente feliz era o seu marido de volta naquela casa.
E tudo só dependia dela. Mas para aceitá-lo, seu co-ração teria de estar limpo e sem mágoas. Não queria mais chorar. Seu coração já havia chorado muito.
E falando baixinho para si mesma:
− Quando Jonas vier visitar as crianças, vou colocar ponto final nesse sofrimento. Se Jonas me ama e eu o amo.
Por que não perdoar? Quero esquecer o que ele me fez.
Por outro lado, Jonas passava noites em claro lembrando-se de Eloísa. Não entendia porque magoou tanto

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a sua amada. Que ilusão perdida. Ter se envolvido com Bia sem nenhum sentimento. Mas em seu coração tinha uma certeza de que Eloísa iria lhe perdoar, pois se casaram para serem felizes e construírem uma família.
E assim, chegando o final de semana, Jonas aparece logo cedo, mesmo antes das crianças acordarem.
Conversando com Eloísa, sentia um desejo imenso de beijá-la. Eloísa também sentia o mesmo desejo, mas tentava ser forte.
Jonas passa todo o dia com os filhos. Os leva para passear e à tarde estava de volta para deixá-los em casa.
Eloísa vai ao encontro deles, que ainda estão no jardim da varanda. Quando abre a porta, vê a filha Janine esticando as perninhas, esforçando-se para subir no colo do pai que já trazia apertado de encontro ao peito o filho Jessé.
Vendo aquela cena, Jonas com Jessé no colo e Janine pedindo colo também, então teve mais certeza de que seu marido teria de estar mais presente naquela casa.
O que ela estava esperando? Não tinha mais tempo a perder.
Providenciaram o banho das crianças. Jantaram e de-pois de brincarem o dia inteiro estavam tão cansadas que logo adormeceram.
Jonas estava na varanda a pensar enquanto Eloísa ainda se mantinha no quarto observando os filhos, perdi-da em seus pensamentos. Entre a dor e as lembranças.
Sentia saudades de Jonas e a falta que ele fazia para ela e para as crianças.
Lembrava-se de quantas noites passou sem dormir, tentando afastar Jonas de sua mente. Substituía as lem-


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branças dele pelas lembranças de sua mãe, das histórias que contava quando casou com seu pai, de um casamento que todos da cidade comentavam, do quanto eles eram felizes, da colega invejosa que corria atrás para saber coisas a seu respeito. Muitas vezes inventava histórias tentando atrapalhar aquela união.
        Seu Arlindo era um homem que qualquer mulher sonhava na época. Muito cobiçado pelas moças da redondeza. Mas, entre tantas, foi Esmeralda a escolhida por ele. A felicidade do casal se completara com o nascimento da primeira filha.
Na época, sua mãe tinha apenas dezesseis anos e já estava pronta para cuidar do marido e da filha.
Perdida em suas lembranças, pela janela do quarto, Eloísa olhava a claridade da lua em silêncio. Na inocência do sono profundo de Jessé e Janine, pensava com serenidade que não poderia desistir de tudo sem pensar com cuidado.
Jonas é seu grande amor. E o pai dos seus filhos.
Eram tantas lembranças que por alguns instantes esquecia até que Jonas estava ali tão perto.
Mas voltou à realidade com um toque em seu ombro.
Jonas estava ali para se despedir.
Já estava a se retirar, depois de tanto pedir que Eloísa o perdoasse, depois de mais de um ano afastado de casa. Jonas ainda olha para Eloísa que, tentando sufocar as lá-grimas, baixa o olhar para que ele não percebesse que ela estava chorando. Fingindo não perceber o pranto de Eloisa, Jonas acaricia seus cabelos e faz uma perguntava.− Você ainda me ama não é?
Eloísa não responde.


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      A pergunta dele mais uma vez trouxe as lembranças das palavras de Bia e sua garganta de repente se fechou.
Seu silêncio foi interrompido por Jonas, que falava sem parar pedindo desculpas e tentando beijá-la. Ele tinha certeza do amor que Eloísa sentia por ele. E continuava insistindo.
− Minha querida, meu amor...
Eloísa respirava e murmurava delicadamente.
− Ainda te amo muito.
Seus olhos procuravam os dele.
Mas sua voz falhava nas ultimas palavras, tentando engolir o que estava a dizer.
Ao mesmo tempo, seu corpo pedia que ele a abraçasse e a beijasse loucamente.
Jonas ficava calado por um momento. Não precisava mais dizer nenhuma palavra. Ele tinha que amá-la.
Seu coração batia acelerado e Jonas parecia ouvir o que Eloísa estava pensando e a apertava contra seu peito.
Ao contato de sua mão, Eloísa tremia como se um frio imenso invadisse todo seu corpo. Mil pensamentos lhe atravessavam a mente. Seu corpo necessitava de Jo-nas.
Eloísa queria tudo, mas ainda tentava estender a mão para afastá-lo, mas Jonas a segurava com tanta força que ela sentia-se incapaz de fazer isso. E assim, deixava que ele a estreitasse em seus braços. Seus lábios macios e quentes. Sua boca descia pelo seu pescoço, suas mãos em seus cabe-los. Eloísa estremecia de desejos.
Estava um pouco escuro, pois já era noite. Nem a luz estava acessa naquele momento. Só uma réstia de luar que entrava pela fresta da janela e penetrava no quarto, cla-


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reando o rosto de Eloísa. Dava ainda para enxergar as lágrimas que escorriam em sua face.
Jonas falava murmurando em seu ouvido:
− Minha querida! Quero envolvê-la em meus braços como sempre fiz.
Eloísa então entrega-se àqueles braços fortes que a envolviam como se fosse a primeira vez.
Os lábios de Jonas percorriam todo seu corpo, até encontrarem novamente sua boca que já esperava ansiosa por aqueles beijos.
Apesar do calafrio que sentia, seu corpo estava quen-te. A febre do desejo tomava conta de todo seu ser.
Antes que Eloísa pudesse se recompor do forte desejo que sentia, Jonas a segurava pela cintura e a levava para a cama, onde antes tanto se amaram.
A dor, a saudade o imenso amor que sentia por Jonas esmagavam seu peito, dificultando sua respiração.
Eloísa tentava sussurrar alguma palavra, rapidamente. Jonas a impedia colando seus lábios aos dela.
Sabia que a ferida que marcava seu coração iria demorar muito para cicatrizar, mas não queria guardar mágoas. Queria ser para Jonas como as estrelas que brilhavam no céu. Como a lua que clareava a noite. Tudo tinha de ser muito claro na vida dos dois.
Seu coração já havia chorado muito. E pouco a pouco as lágrimas iam lavando o que nele se alojava.
Jonas dizia a todo instante que a amava. Suas mãos em seus cabelos, seus lábios colados aos dela. As mãos de Eloísa agarravam o corpo de Jonas puxando-o para mais perto. O calor percorria suas veias, ardendo de desejo quando sua pele tocava a dele.


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Eloísa às vezes queria falar, mas os lábios de Jonas impossibilitavam que sua voz saísse.
Tudo em seu mundo e em seu ser tinha a ver com ele. Naquele momento, sentiam-se como se fossem um só.
Que coisa tola, se ainda ficassem esperando mais tem-po para serem felizes. Não tinham que esperar mais nada. Já haviam perdido muito tempo.
A cada abraço e beijo, entregavam-se completamente. O desejo de Eloísa era o desejo de Jonas.
No fundo, Jonas tinha consciência do quanto Eloísa sofrera com a traição. E pensava que cada dor que provo-cara em Eloísa queria transformar em prazer e felicidade.
Quando se deu por si, Eloísa já estava completamente sem roupas nos braços de Jonas.
Por um momento, Jonas deitou-se na cama. Sua camisa entreaberta deixava seu peito peludo à mostra.
Eloísa ainda a tremer de desejo, pensava o quanto aquele peito forte a protegia.
E Jonas murmurava:
− Abraça-me meu amor. Minha querida! − Jonas falava baixinho em seu ouvido.
Eloísa sentia o seu hálito quente que parecia queimar sua pele, enquanto sentia o pulsar do coração de Jonas.
Falava baixinho quanta falta ele fazia:
− Nunca mais ficarei sem você.
− E você sem mim. Prometo-lhe. − dizia Jonas com respiração ofegante − Como poderia deixar de amá-la, se você é tudo que preciso!
Um silêncio se fez por alguns instantes, as palavras dando lugar aos beijos ardentes de desejos. Naquela noite não dormiram.


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      Amaram-se até o amanhecer. Durante toda a noite não conseguiam ver ou ouvir nada a não ser um ao outro.
À medida que as réstias de sol atravessavam a cortina da janela do quarto, os dois ainda trocavam juras de amor.
E voltando à realidade, ainda abraçados, ouviram um barulho na porta.
Era de costume as crianças acordarem e irem direto para o quarto da mãe para aguardarem o café da manhã.
Janine e Jessé entram e vêem o pai e a mãe abraçados. Há muito não os viam assim. Pulam em cima dos dois, fazendo a maior algazarra.
− Papai! Mamãe! Que bom! Que Bom!
Agora a felicidade estava por completa.
Jonas voltara para casa. Ao lado dos filhos e da esposa. Seus grandes amores. De onde nunca deveria ter saído.Sem mágoas a felicidade pode ser eterna.

Se existe AMOR, existe perdão.
Se existe PERDÃO, é porque não existem mágoas.
Se não existem MÁGOAS, é porque o coração está limpo.
E se o CORAÇÃO está limpo, tudo está maravilhoso.
E se tudo está MARAVILHOSO, por que chorar?
Por tudo isso e por outras coisas mais.
O tempo não espera.
Viva intensamente o agora.
O amanhã não existe.
Não espere para ser feliz.
Não perca seu tempo com coisinhas tolas.
Perdoe quantas vezes for necessário.
Não tenha vergonha de perdoar. Não tenha vergonha de chorar.
Deixe que suas lágrimas lavem seu coração até que ele fique limpo de todas as mágoas que existem dentro dele.
Não se incomode com os comentários alheios.
Ninguém sente sua dor.
Você pode até falar o que está sentindo. Podem até ouvir o que você fala, mas ninguém vai sentir o que você sente.
PENSE QUANTO TEMPO VOCÊ JÁ PERDEU.
Lembre-se: a felicidade existe e está dentro de você, mas para você sentir a felicidade é necessário estar bem com você mesmo.
PARA SER FELIZ... “É PRECISO SABER VIVER”.
BEIJOS... BEIJOS...SEJAM FELIZES... AMO TODOS VOCÊS.
OBRIGADA!
Em certo momento da história, a personagem Izabel pensa com seus botões: “As pessoas não mudam, apenas melhoram ou pioram naquilo que já são.”
Você acha que isso é verdade?


SOBRE A AUTORA

Maria do Carmo é funcionaria pública. Filha de um ex combatente da Segunda Guerra Mundial.
Nasceu em Triunfo-PE, onde passou sua infância e adolescência. Estudou em Colégio de Freira na mesma cidade em que nasceu. Já publicou em 2010 o livro “Começo do Fim: uma biografia. A literatura e a música são suas paixões.
É mãe de um único filho que é o seu maior bem.

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